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Desafios para a valorização da herança africana no Brasil

Como valorizar a rica cultura africana

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

O título, em epígrafe, veio a constituir-se como eixo temático, a orientar o trabalho de redação dos participantes do ENEM 2024. A avaliação foi aplicada em 03 de novembro de 2024. É sobre isso que pretendo escrever hoje. Talvez, o amável leitor visualize esta matéria como algo serôdio, afinal, já se passaram semanas do aludido certame. Justifico estas linhas pelo fato de que, nos últimos dias, testemunhei na mídia em geral vários casos de flagrante racismo. O último, de maneira particular, chamou muito a minha atenção: um caso de racismo estampado em livro didático. Exatamente quando um dos papeis primordiais da educação consiste em erradicar o preconceito e fomentar um clima de solidariedade e fraternidade universais, a peça literária vem patrocinar a causa oposta. Aliás, por força de lei, o sistema educacional de nosso país tem a obrigação de ensinar a história da África e de seus habitantes e descendentes, e ainda sobre cultura africana. Estamos nos movendo entre progressos e retrocessos. Um marco de avanço relevante foi a nacionalização do 20 de novembro, dia em que se rememora a consciência negra. Compreendo que seja oportuno fazer um levantamento das contribuições africanas para a cultura brasileira. Se precisamos valorizar algo, o ponto de partida é estabelecer onde e em que contexto se insere o fator a ser promovido. Na linguagem temos muitos vocábulos que nos remetem a raízes africanas: neném, xixi, cocô, cafuné, moleque, quitanda, cachimbo, macumba, etc. Na culinária temos outro tanto de contribuições. A mais notória delas, em meu ponto de vista, é a feijoada. E mesmo que haja quem defenda que a feijoada é, na verdade, portuguesa, não nos esqueçamos de que em terras lusitanas usa-se o feijão branco, ao passo que aqui predomina o feijão preto. A música é outro nicho em que encontramos repertório afro. São exemplos de estilos musicais africanos: samba, pagode, frevo, maracatu e outros. Na esfera do religioso nos deparamos com muitas afluências. Entre as principais: umbanda, quimbanda, candomblé, dentre outros. Por tudo isso, a figura da pessoa negra no Brasil deve e precisa ser valorizada. Já em sede procedimental, emerge a questão acerca da praticabilidade do movimento de inclusão. Penso que a ética é uma disciplina formidável que pode colocar ao nosso alcance ferramentas conceituais, poderosas e eficientes o bastante, para a valorização da cultura africana e de pessoas de origem africana. Em nível comportamental, somos orientados pela ética a acolher, tolerar e respeitar todas as pessoas. O ser humano ético sempre haverá de cultivar a racionalidade. É ilógico e irracional preterir pessoas mediante aferições calcadas em qualidades físicas estereotípicas. O preconceito é uma forma de ignorância porque ele só ingressa ali onde está o vácuo, que caberia ao conhecimento bem estruturado. A ideia de patriotismo nos remete para a nossa identidade comum, a de brasileiros, onde são congraçados todos os nossos sonhos, independente da cor da pele. País de maioria cristã, o Brasil encontra na Bíblia a mais perfeita referência existencial, haja vista que o Menino Deus é visitado por três reis magos, um branco, um asiático e um negro. Essa visita majestosa e eclética aponta para a verdade de que a pessoa negra é o nosso próximo. Por conseguinte, tem o direito de receber o nosso afeto e amor, na mesma medida em que destinamos estes sentimentos, em profusão, ao nosso próprio eu. Saindo destas oportunas considerações, e encetando para algo similar a um encaminhamento, sugiro que substituamos a segregação pela convivência pacífica. Não há convivência sem os conviventes. Por tal motivo, considero que as cotas universitárias fazem parte de um conjunto de ações afirmativas, vindo a propiciar o partilhamento do espaço que é físico, simbólico e social. Essa alocação estratégica, que coloca em contato pessoas de todos os matizes étnicos, precisa ser massificada. Incentivada no espaço de aprendizagem e em todos os outros espaços. O primeiro setor, o Estado, tem de assegurar a ocupação de espaços por pessoas de origem africana nas fileiras do seu funcionalismo, mas ainda nos empreendimentos privados, mediante incentivos, de um lado, e sanções, por outro, em sobrevindo inadimplemento. A herança cultural africana será valorizada quando seus autores, as pessoas de origem africana, seja ela recente ou longínqua, forem valorizados. Pois, onde está a cultura, ali está o ser humano, e, igualmente, onde está o ser humano, ali, outrossim, acha-se a sua cultura. Quanto mais uma determinada cultura puder realizar intercâmbio com outra, tanto mais será potencializada a sua visibilidade. Herança cultural africana é luz!