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Deus e o diabo: uma simples questão de visão?

Com a modernidade, o materialismo e o secularismo entraram com força na cultura ocidental. A velha ordem social foi alterada, sendo abalados os seus alicerces ideológicos. Sobrevindo a Restauração, surgiu a necessidade de reconhecer, mais uma vez, o trono de Deus. Então Georg Hegel entendeu que não há nada de errado em professar a crença […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

Com a modernidade, o materialismo e o secularismo entraram com força na cultura ocidental. A velha ordem social foi alterada, sendo abalados os seus alicerces ideológicos. Sobrevindo a Restauração, surgiu a necessidade de reconhecer, mais uma vez, o trono de Deus. Então Georg Hegel entendeu que não há nada de errado em professar a crença em Deus. E a descrença na pessoa Dele decorre de uma interpretação equivocada do que Ele realmente é. Por conseguinte, não se trata de discutir se Deus existe ou não, mas de quem é Ele. Enquanto para os escolásticos, com ênfase para Tomás de Aquino, Deus é onipotente, onisciente e onipresente, e para ir direto ao ponto, Ele é o pronto e acabado, pois recepcionaram as categorias aristotélicas de ato, de essência, para Hegel, Deus é bem diferente disso. Na visão hegeliana, Deus está em processo de tomada de consciência, coincide com o universo ou com a natureza, e acha-se em interminável fazimento. A genialidade da filosofia clássica alemã, e do idealismo absoluto de Hegel, consiste no fato de que o pioneiro pensador deu conta de conciliar os rumos da história, a ciência, a filosofia, a arte e a religião. Para Hegel, tudo é lógico. A política, a beleza, o conhecimento. A própria beligerância antitética da realidade é acomodada dentro de um esquema maior onde, no geral, prevalece a harmonia. A contradição é real, mas aparente. Não há diferença entre o pensado e o existente, entre o ideal e o real. O ser e o nada são uma só coisa. Criador e criatura constituem uma unidade. Individual, particular e universal são pontos de vista sobre o mesmo ser, o Eu Absoluto. O ser humano, na sua individualidade, é um instante pontual do universal em dado ínterim histórico. A totalidade predomina sobre as partes. Não esgotei aquilo que Hegel compreende por “Deus”, mas noticiei informações importantes. Já o diabo, na perspectiva bíblica, foi o anjo que se rebelou contra Deus. Por causa dele o mundo e o gênero humano foram criados, para uma grande lição. O homem, menor que os anjos, mas semelhante a Deus, foi levantado do pó para glória de Deus e humilhação de satanás. No esoterismo, o diabo não é o ser perverso que o judaísmo e o cristianismo ensinam. Ele é, sim, a estrela caída, aquele que perdeu a dignidade. Por que, teria ele, perdido a dignidade? Encontramos a resposta em Gênesis: na forma de uma serpente, incitou Eva e Adão para que comessem do fruto proibido da árvore do conhecimento do bem e do mal. Satanás havia dito que eles teriam a vida eterna. Porém, vida eterna eles já tinham, e com o pecado, perderam. Todavia, abriram-se-lhes os olhos, eles tomaram consciência da própria condição e do mundo do seu entorno. Viram que estavam nus. Veja-se que na cultura grega o papel do diabo é o mesmo: Prometeu é o sujeito que rouba o fogo dos deuses e o entrega aos seres humanos. O fogo representa a inteligência, a sabedoria e o conhecimento. Lúcifer é o anjo de luz. Ele, no esoterismo, é aquele que ilumina o ser humano, dando-lhe conhecimento e consciência. O próprio movimento cultural ocidental denominado “Iluminismo”, também conhecido como “filosofismo”, reflete esta mesma noção. Há quem diga que tudo que é “esotérico” é moralmente reprovável. No entanto, como pontua Mariano Soltys, o cristianismo primitivo foi esotérico. Porque esotérico corresponde a “oculto”. E os primeiros cristãos se reuniam à noite nas casas, para orar, celebrar sua liturgia. Vastas galerias subterrâneas são o testigo do caráter oculto do cristianismo em dado momento da história. A nova roupagem em que Hegel envolveu Deus não aniquilou a onda ateísta do oitocentismo, e tampouco o diabo se tornou alguém mais simpático a quem foi educado a acreditar, desde tenra idade, de que ele é terrível e hediondo. Pelo visto, nem tudo é uma simples questão de visão.