Devo vacinar-me, a mim e a meus filhos?
Desde os primeiros ensaios dos pioneiros sanitaristas brasileiros, tal como Carlos Chagas, dentre outros, tem havido um embate entre o entendimento dos populares e dos referidos homens de ciência. Uns afirmam, mais recentemente, que nas fórmulas desses compostos biológicos estão embutidos princípios ativos que cumpririam uma espécie de morte programada, suavizando os ônus que recaem […]
Por Israel Minikovsky 17 min de leitura
Desde os primeiros ensaios dos pioneiros sanitaristas brasileiros, tal como Carlos Chagas, dentre outros, tem havido um embate entre o entendimento dos populares e dos referidos homens de ciência. Uns afirmam, mais recentemente, que nas fórmulas desses compostos biológicos estão embutidos princípios ativos que cumpririam uma espécie de morte programada, suavizando os ônus que recaem sobre caixas e fundos de aposentadorias e pensões, sobretudo do regime geral. Os porta-vozes do governo, com maior ênfase o Ministro da Saúde, asseguram que a vacina é eficiente e se presta exclusivamente à imunização contra o respectivo patógeno. A maioria de nós exerce uma profissão que não é a de cientista. O melhor que está ao nosso alcance são artigos científicos que, diga-se de passagem, recorrentemente discordam uns dos outros. Além do mais, são poucas pessoas de fato linguisticamente proficientes para ler e compreender o teor destes aludidos trabalhos. O que a filosofia tem a dizer a respeito? Dias atrás lia uma matéria em que a jovem filósofa italiana Ilaria Gaspari sugeria uma postura cética diante de notícias com aspecto de fake news. A sugestão parece-me ser bastante oportuna. Se vamos ao mercado e colocamos no carrinho coisas várias de que não necessitamos, com maior facilidade (e leviandade) acreditamos em informações carentes de procedência. Talvez alguém tenha acatado a sugestão da mencionada feminista milanesa e, fiel ao postulado que tomou para si, o duvidar metódico, deu-se ao trabalho e atrevimento de duvidar da própria dúvida. Como proceder neste caso? Quem parece apresentar boa solução é ninguém menos do que Sócrates. Na obra Fédon, Platão narra os momentos finais da vida do seu mestre. Sócrates foi condenado à morte pelo Conselho de Sentença de Atenas, e seus discípulos traçaram uma estratégia de fuga, plano de que o nobre condenado se esquivou. Sócrates argumentou: “Se aceitei todo o bem da “polis” (Atenas), não deveria acatar de igual modo o mal?”. Respondida, pois, está a questão. Se não somos imunologistas com pós-doutorado na área pela USP, como seres pensantes que somos, podemos nos deter mais demoradamente nos aspectos ideológicos que envolvem a questão. Quem induz as pessoas a desconfiarem do governo, ainda que à custa de vidas humanas, em geral o faz justamente porque pretende desmoralizar a instituição Estado como critério de verdade. A mente humana é espaço disputado pelo qual pelejam atores sociais poderosos. Muitas vezes, antes de dizer “eu sou a referência”, é preciso que se diga “A não é a referência” ou “B não é a referência”. Admitidas estas possibilidades, resta claro que, aquele que o aconselha a não imunizar-se, não está preocupado com a sua saúde e, fosse pouco, assume o risco de mantê-lo sem imunização, tão somente para que possa, por meio deste embuste, cativar a si a lealdade intelectual dos neófitos convictos. Ou seja, não importa qual seja a convicção ou sua consequência, importa apenas a convicção, sendo ela a grande moeda. O próprio Cristo multiplicou e distribuiu pães e peixes à multidão e curou vários enfermos. Alimentar e cuidar da saúde da população, fortalece e legitima o governo. Portanto, quem não é governo, mas deseja sê-lo, zela em desconstruir todo tipo de avanço, sempre buscando erodir a credibilidade que daí deriva. Se Cristo autoriza e determina que entreguemos a César o que lhe pertence, porque iríamos rejeitar receber de César quando é ele quem nos deve? Por todo o exposto fica fácil ver que essa (des)orientação é ilógica e inconsequente. A vacina é resultado da sobreposição de sucessivos protocolos, partindo da pessoa do próprio pesquisador, desde o vestibular ou outra metodologia de acesso ao ensino superior, até o ingresso no mundo da pesquisa através de concurso, fazendo uso de uma ciência consolidada ao longo de séculos, englobando projeto de pesquisa, amostragem, teste, corroboração, falseabilidade, efeitos colaterais, efeitos refratários, etc., englobando um mundo de conceitos e teorias, escudado por uma parafernália de instrumentos laboratoriais de homérica envergadura. O projeto, ademais, deve atender a uma lógica interna e guardar relação com o mundo empírico. A única razão pela qual um conhecimento tão idôneo e robusto vem a ser desautorado reside no desconhecimento do poviléu em relação ao afazer do cientista. A verdade é que o povo não sabe o que deplora, e os demagogos se aproveitam da incultura generalizada para manobrar as massas. Pela verdade (cf. Jo 8, 32) seremos libertos, mas, afinal, por que aqueles que deveriam nos orientar para a luz da verdade, executam o exato inverso? Bem, isto já foi respondido acima e eu creio que é melhor encerrar por aqui. Luz!