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Dia D para PCD

No dia dezessete de setembro de dois mil e vinte e quatro, no auditório da Câmara de Vereadores de São Bento do Sul, no período da tarde, das 13h às 17h, tivemos um dia dedicado aos direitos e interesses próprios das pessoas com deficiência. O evento foi promovido pelo COMTER – Conselho Municipal do Trabalho, […]

Por Israel Minikovsky 57 min de leitura

No dia dezessete de setembro de dois mil e vinte e quatro, no auditório da Câmara de Vereadores de São Bento do Sul, no período da tarde, das 13h às 17h, tivemos um dia dedicado aos direitos e interesses próprios das pessoas com deficiência. O evento foi promovido pelo COMTER – Conselho Municipal do Trabalho, Emprego e Renda, em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo e com o SINE – Sistema Nacional de Emprego. Às 13h principiou a recepção e o credenciamento dos participantes. Às 13h15min foi a abertura oficial. A mestra de cerimônia pontou que entre deficientes a taxa de desemprego é até três vezes maior, comparada à taxa homóloga de quem não partilha dessa condição. Esse público se depara com falta de acessibilidade física e digital. A condutora da solenidade recuperou a valia da norma que obriga empresas com mais de cem funcionários a contratar PCD. Segundo ela, trata-se não só de justiça social, mas de retorno financeiro. A inclusão dessas pessoas converte-se em rentabilidade, em maior lucratividade. Concedida a palavra à Secretária Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Andrea Maristela Bauer Tamanini, a referida frisou a relevância de se dispor infraestrutura e espaço nas empresas para PCD. É preciso que os edifícios e os transportes públicos estejam adaptados para todas as pessoas. É necessário criar um ambiente onde a diversidade seja valorizada. É uma questão de potencialização de talentos, e não só justiça social. Devemos evitar preconceitos e batalhar contra eles. A secretária fez votos para que “as leis – nesta Casa de Leis – (trocadilho em razão do recinto dentro de que nos reuníamos) sejam cumpridas e fiscalizadas”. Ela agradeceu aos organizadores do evento, aos palestrantes e a todos os participantes. A representante da pasta arrematou que “juntos podemos construir uma São Bento do Sul mais justa e acessível para todos”. Devolvida a palavra à mestra de cerimônia, ela rememorou que hoje (17/09) é o dia municipal da acessibilidade por conta da Lei Ordinária n. 2.870/2011, que assim estatuiu. Ela esclareceu que a Caminhada pela Acessibilidade, que deveria ocorrer no mesmo dia, foi adiada por fatores atmosféricos. Concedida a fala a Abdiel Magnus, diretor do DETRU – Departamento de Trânsito Urbano, ele informou que o número de telefone para denúncias é o 153. Se houver alguém usando indevidamente uma vaga para PCD, idosos ou carga e descarga sem a respectiva credencial, o departamento deverá ser acionado. O direito do idoso ou da PCD não termina às 18h. Não se vincula ou fica refém ao período de cobrança da tarifa pelo uso da vaga. Quem cumpre os requisitos pode e deve obter a credencial. Não tem custo e é confeccionada em menos de dez minutos. O horário de funcionamento é das 8h às 12h, matutino, e das 13h às 16h, vespertino, das segundas-feiras às sextas-feiras. Às 13h30min foi a vez de ouvirmos a palestra “O mundo do trabalho Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 – art. 93” ministrada pela auditora fiscal do trabalho Luciana Xavier Sans de Carvalho. Ela relatou que é natural de Minas Gerais, e que tem “uma filha catarinense de catorze anos”. Servidora pública federal, confidenciou apresentar lupus, uma doença autoimune, e TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. A finalidade de colocar estas informações ao nosso alcance foi de nos fazer compreender que isso, por exemplo, não é uma deficiência. Os conhecimentos desta painelista foram adquiridos na ENIT – Escola Nacional da Inspeção do Trabalho. De acordo com a preletora mineira, todos dependemos uns dos outros. Em São Bento do Sul, em cinco anos, de 2019 a 2024, dobrou o número de trabalhadores deficientes. A deficiência não é só um diagnóstico, ela é este diagnóstico em relação ao universo de obstáculos. É por isso que um insuficiente renal não é PCD. Não se verificam graves barreiras. Visão monocular é barreira? Aqui vai de caso a caso, o mesmo podendo ser dito em relação à surdez unilateral. Quando aparece na legislação a expressão “para todos os fins”, devemos nos perguntar: traz barreiras? Em tom de comemoração, a palestrante nos informou que a sociedade está mudando. Em 2005 tínhamos, no Brasil, 114 mil PCD empregadas, e, em 2015, elas já chegavam ao patamar de 1 milhão e 300 mil. Hoje a PCD participa da comunidade. No passado ela ficava enclausurada. A indústria catarinense emprega 80% das cotas disponíveis para esse segmento social. Em 1948 temos um marco jurídico que é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na II Guerra Mundial, as primeiras pessoas que foram para a câmara de gás foram os deficientes. As pessoas que tinham alguma condição passavam pela mão do perito, que atestava em laudo médico sua situação clínica, ensejando a autorização para a execução. Ou seja, era “legal” a execução. Então surgiu a necessidade e o entendimento de que era preciso criar uma norma superior, que pairasse acima das legislações locais. O intuito da tecnologia assistiva é esse: propiciar que as PCD possam fazer os mesmos trabalhos realizados pelas pessoas sem deficiência. A partir do momento em que estas convenções recebem a aprovação de três quintos dos parlamentares, em dois turnos, em ambas as casas, elas adquirem o status de constitucionais. A palestrante usou a biografia de Nise da Silveira (1905-1999) como exemplo de pioneirismo na psiquiatria e no tratamento humanizado. Ela se recusou dar choque elétrico em seus pacientes. Ela também considerava errada a prática da lobotomia. Tratava-se de um procedimento que redundava no apagamento da emoção. Uma parceira de Nise foi a enfermeira (e sambista) Ivone Lara. O trabalho realizado pelas duas, em parceria, resultou na desinstitucionalização de mais de duas mil pessoas com transtornos mentais. Nise foi “punida” e colocada no departamento de terapia. Ela adorou, usou pincéis e outros recursos para resgatar vidas. A Lei n. 13.467/2017, da Reforma Trabalhista, não alterou os direitos das PCD. As PDC têm os mesmos direitos e os mesmos deveres das pessoas sem deficiência. Tem gente sem deficiência chata e incompetente, enquanto tem gente deficiente chata e incompetente. Qualquer que seja nossa condição, todos somos humanos. A rotatividade das PCD é 50% menor. Enquanto que para as pessoas sem deficiência existe a modalidade de menor aprendiz para quem tem entre 14 e 24 anos de idade, não existe esse limite etário para quem é PCD. Essa peculiaridade se dá porque há uma exclusão escolar muito grande para PCD. No Decreto n. 3.298/1999, art. 3°, inciso I, encontramos a definição de deficiência: “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. Na novel legislação, Lei n. 13.146/2015, art. 2°, visualizamos melhor conceito, mais atualizado: “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Para dimensionarmos o impacto positivo da norma de inclusão, graças ao art. 93 da Lei n. 8.213/1991, 91% das PCD estão empregadas por conta deste diploma legal nas empresas com mais de cem funcionários. Só 9% fogem disso, alocadas em empresas de médio ou pequeno porte. A multa que se aplica a quem descumpre o dispositivo aludido é salgada, gira em torno de R$ 350 mil. O auditor tem a discricionariedade de expedir um Termo de Adequação em que o notificado assume o compromisso de, dentro de um prazo, preencher as vagas respeitantes à cota. Há empresas que transbordam a cota. Não falta PCD. Aliás, é um diferencial concorrencial. Para fins de comparação, seguem os números de Santa Catarina:

Ano de referênciaAbril de 2019Julho de 2024
Empresas1.9552.354
Cotas40.02650.698
Efetivamente empregadas18.03032.077

Na sequência, às 14h30min, tivemos a palestra “Juntos na Jornada”, proferida pela assistente social da APAE de São Bento do Sul, Mônica Tobias, e por Solange Nunes da Silva, orientadora pedagógica na mesma instituição. Solange ressaltou a importância de trabalhar a estimulação precoce, o que se inicia desde bebezinho. Não somos escola, esclarece Solange, mas Centro de Atendimento Educacional Especializado – CAESP. De acordo com o perfil do atendido, a pessoa é encaminhada ao CAESP ou à Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE. Todavia, os pais têm a prerrogativa de escolher em que unidade seu filho receberá a atenção pedagógica. Nós temos aqueles deficientes com mais de dezoito anos que não podem ir para o mercado de trabalho, por não reunirem as condições. Temos que considerar também que muitas PCD, a partir dos quarenta anos, já começam a sofrer perdas de habilidades. Na unidade de atendimento são ofertados trabalhos manuais, tênis de mesa, atletismo e judô, dentre outros. Em uma semana de julho temos o evento dos autodefensores, um menino e uma menina são escolhidos. São parceiros nossos: Lojas Berlanda, Empresa Oxford, Supermercado Belém, Banco Agiplan. Com a dicção, Mônica comentou rapidamente sobre os direitos e benefícios voltados às PCD. Quando a pessoa ingressa no mercado de trabalho ela recebe o auxílio-inclusão. O auxílio é um complementador de renda. Ele foi criado para a PCD não desistir da vaga de trabalho em virtude da perda do BPC – Benefício de Prestação Continuada. A legislação é visivelmente inteligente: se o educando deixa o trabalho, a suspensão do BPC é cancelada e ele volta a receber esse benefício. Tramita um PL – Projeto de Lei pretendendo igualar o auxílio-inclusão ao BPC. Às 15h30min tivemos a palestra “Responsabilidade Social” proferida pelo professor Leonardo de Almeida, pós-doutor em diversidade cultural e inclusão social. Ele leciona no IFC – Instituto Federal Catarinense, do campus de São Bento do Sul. Ele explicou que, desde o ensino técnico integrado, graduação ou pós-graduação, é sua competência atender aos alunos PCD. Para as cotas os alunos podem se autodeclarar. Mas também é feita identificação. A autodeclaração pode ser no momento da inscrição e no da matrícula. O professor de AE (aluno especial) se preocupa com acessibilidade. Mas transmitir os saberes da disciplina cabe ao professor conteudista, qualquer que seja a condição do aluno. Por exemplo, o aluno com TEA – Transtorno do Espectro Autista é recebido no instituto num espaço seguro e controlado. Mas o ambiente laboral não oferta um espaço idêntico. É preciso desenvolver essa autonomia no aluno para aquilo que ele vai encontrar no mercado de trabalho. Ele precisa ter a capacidade laboral, a competência para as suas atribuições. O palestrante nos contou que é natural do Rio Grande do Sul, e que por dez anos foi alfabetizador de crianças, e também de jovens e adultos. A escola onde trabalhava ficava próxima a um instituto federal. Na cultura local, prevalecia o entendimento de que fazer o Ensino Fundamental já era o suficiente. Foi, então, elaborado o Projeto “inclusão de ponta a ponta”, que pretendia assegurar a trajetória estudantil plena. A família do aluno PCD deve saber que o espaço acadêmico terá a capacidade de acolher esse sujeito. É montado um Plano de Acessibilidade ao Estudante PCD. Por exemplo, para quem tem baixa visão, solicita-se uso de arquivos com fonte aumentada, sejam slides ou via de avaliação. Se é feita a oferta da prova adaptada, então o estudante é obrigado a demonstrar desempenho e aproveitamento. As três áreas técnicas ofertadas são automação industrial, segurança do trabalho e informática. Essas ofertas foram estruturadas considerando-se a demanda do território em que o instituto está sediado. Às 16h foi a vez de participarmos da palestra “Portal da Inclusão”, proferida pela psicóloga Sheila Kurtz. A FIESC – Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina, mantém a plataforma “Portal da Inclusão” em que os atores participantes são as PCD, a indústria, as instituições públicas e privadas, e a sociedade como um todo. Quando se fala em indústria, leia-se, empresas em geral. Existe a dificuldade de realizar a conexão inicial, e é para remover esta barreira que foi criado o serviço. Nós temos, no Estado, 2.300 alunos deficientes matriculados. São alunos da educação técnica, isto é, frequentadores do SESI e do SENAI. Na plataforma são ofertados alguns filtros. Por exemplo, a pessoa pode buscar uma vaga em uma determinada cidade, ou no Estado todo. Disponibilizam-se alguns recursos: a pessoa pode inverter o fundo e a escrita, alternando o que está em preto ou branco, conforme o melhor contraste. Tudo em nome da legibilidade. No canto da tela também tem um bonequinho falando LIBRAS. A palestrante encerrou sua fala com esta citação: “Um sonho que é sonhado sozinho é só um sonho. Quando sonhamos juntos, é começo de realidade” (Dom Quixote, em Miguel de Cervantes). Às 16h20min foi a vez da palestra “Cases de Sucesso”, ministrada pela vice-presidente do COMDE, Sirlene Pornikerski Rocha. Ela conta que perdeu a visão há treze anos, e hoje ela tem 57 anos de idade. Ela realizou transplante de rins e de pâncreas, deixou de ser diabética, doença que acarretou sua cegueira, mas permanece sem a visão, como sequela. Ela conta que o enxadrismo ressignificou sua vida nos últimos tempos. O xadrez tem um tabuleiro adaptado, e as partidas podem ser jogadas online. Ela foi a São Paulo competir xadrez. Foi e voltou sozinha. Preconizou-se o projeto “Xeque-mate”, que tenciona a ensinagem e aprendizagem da mencionada atividade lúdica. Está sendo organizado o I Torneio de xadrez nacional para mulheres deficientes visuais. As inscrições poderão ser realizadas nos dias 18, 19 e 20 de outubro do corrente ano. As famílias não sabem muitas vezes o potencial das pessoas que elas têm em casa, comenta Sirlene. A pessoa é muito mais autônoma do que nós imaginamos, nós a subestimamos. É um trabalho voluntário, sem remuneração, mas é gratificante. Para narrar outro “case” de sucesso, foi chamado o professor Rui Menslin. Ele é treinador paralímpico e lecionou por mais de trinta anos na PUC do Paraná. De acordo com este palestrante, o desafio da sociedade é enxergar para a PCD para além de suas limitações psicofísicas-sociais. Ele explicou a diferença entre igualdade e equidade. Igualdade é entregar um caixote para cada indivíduo de um trio, em que um é alto, outro mediano, e o remanescente, de baixa estatura. Equidade é que o mediano suba em cima de um caixote, que o alto não use caixote algum, e que o de baixa estatura use dois. Assim, todos ficam com os olhos na mesma linha, acessando a paisagem. O treinador explicou que o esporte paralímpico é um trabalho muito bem remunerado. As bolsas asseguram ótimas rendas para esportes de alto rendimento. Como Rui trabalha mais com paranatação do que com qualquer outra modalidade, relatou que os alunos entram e saem sozinhos da piscina. Trocam de roupa sozinhos e vão para casa sem ajuda. Feitas estas explanações, tivemos, às 17h, o encerramento. Antes da saída degustamos um coffee break para saborearmos quitutes e construirmos oportunidade de networking. O dia foi de muita luz!