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E se Enéas estivesse vivo?

O polímata Enéas Ferreira Carneiro (1938-2007) foi o fundador do PRONA – Partido da Reedificação da Ordem Nacional. Seu bordão, ao fim do uso do tempo da propaganda eleitoral gratuita, quase um mantra ou uma fórmula litúrgica, “Meu nome é Enéas!” ficou fortemente associado à sua pessoa. A maioria do eleitorado o considerava um político […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

O polímata Enéas Ferreira Carneiro (1938-2007) foi o fundador do PRONA – Partido da Reedificação da Ordem Nacional. Seu bordão, ao fim do uso do tempo da propaganda eleitoral gratuita, quase um mantra ou uma fórmula litúrgica, “Meu nome é Enéas!” ficou fortemente associado à sua pessoa. A maioria do eleitorado o considerava um político excêntrico e, deveras, ele era mesmo. Ele não aceitava a categorização esquerda-direita, embora fosse seu viés muito próximo ao da extrema-direita. O que ele falava, o fazia com autoridade. Sua convicção era tanta, que acabava gerando o oposto no ouvinte, a dúvida. No meu ponto de vista, sua postura extravagante se devia ao seu quociente de inteligência mais elevado. O amável leitor já ouviu dizer que superdotação pode trazer consigo dissonância cognitiva? Pois então, quem é superdotado, geralmente tem hiperfoco em algum assunto. Por conseguinte, entre aspas, as pessoas medianas gastam a maior parte do seu tempo com frivolidades ou superficialidades, o que gera frustração no superdotado. Muitas vezes essa postura do superdotado é tida como soberba. Contudo, a verdade é que o superdotado perde a sintonia por não ter com quem possa realizar trocas intelectualmente estimulantes. O superdotado é apaixonado por ideias complexas, análise crítica e abstração. Essa divergência de preferências discursivas acarreta uma desconexão com o ambiente. Algumas falas de Enéas, quando ele estava na Câmara Federal exercendo a deputação, casam perfeitamente com a proposta política do bolsonarismo. Ele acena para “o colega Bolsonaro” quando protesta pelo direito do cidadão a ter arma de fogo em casa, para proteger-se de supostos bandidos. A pergunta que faço, pois, é esta: se ao tempo da eleição de Bolsonaro, Enéas estivesse vivo, ele teria sido eleito? Enéas tinha uma força pessoal muito forte, mas o mesmo não podia ser dito dos seus correligionários. Bolsonaro, diferentemente, logrou ter mais capilaridade, pois deu conta de arrebanhar em torno de si uma numerosa caterva. A plurititulação do falecido Enéas contrasta com a ignorância dos direitistas negacionistas, com o terraplanismo. Antes um cardiologista de prestígio, agora ceticismo na ciência. Enéas candidatou-se à presidência da República, mas não emplacou vitória. E se ele tivesse sido eleito? Eu acredito que ele seria um extrema-direitista esclarecido, por mais estranho que isso possa soar. No diapasão da boa-fé, imagino um governante de ilibada conduta, de íntegra reputação. Sem pseudomoralismo, e, destarte, alheio a estratagemas judiciais tais como “lava-jato” e correlatas. Fato, é que Enéas tinha uma linha ideológica, ele tinha um projeto de governo. Já Bolsonaro, apostou no acefalismo da população, e colheu o louro da vitória nas urnas. É uma luta difícil de ser travada, quando um candidato apela para o senso do eleitor, ao passo que ele foi programado exatamente para não pensar. Creio que Enéas faria um governo muito melhor do que o de Jair, não só porque é muito difícil ser pior que Bolsonaro, senão porque creio que o estudo potencia o desempenho das atribuições exercido por quem o cultiva. A proposta de Enéas não era, de todo, má. O seu problema era chegar ao poder para implantar o que pregava. Talento e habilidade são fundamentais. Mas o exímio navegador, também ele, é sujeito à álea dos ventos. O mais preparado político nada é sem um contexto histórico e uma conjuntura social que concorra para o êxito do seu próprio perfil. Outra característica é que Bolsonaro foi, e sempre tenderá a ser, um fantoche de grupos hegemônicos que controlam o Brasil pela força do dinheiro. Já Enéas, ele tinha personalidade demais para se submeter a isso. O bolsonarismo tem uma forte pitada de populismo. E populismo é movimento político de rebanho. Se o indivíduo pensa pouco, o rebanho não pensa nada. A proposta de nação vale menos do que o marketing. É por isso que, quando Enéas defendia que o Brasil tivesse um programa nuclear próprio, para geração de energia e para fins bélicos, era ridicularizado por pessoas simples do povo, que não entendem bulhufas do assunto. Caminhando para os finalmentes, percebo que Enéas não poderia fazer a vez de Bolsonaro, faltar-lhe-ia a tão necessária ignorância e o caráter corrupto, que ingressam como exigências para o legítimo representante da extrema-direita.