Esporte fora da lei?
Meu querido filho gosta muito de futebol. Ele sempre compartilha comigo notícias referentes a esta modalidade esportiva. Acabara a partida que consagrou o flamengo como vitorioso do campeonato carioca 2024 e o meu estimado parente me pôs a parte desta ocorrência: um jogador foi excluído dos jogos oficiais, por um ano, em razão de doping. […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
Meu querido filho gosta muito de futebol. Ele sempre compartilha comigo notícias referentes a esta modalidade esportiva. Acabara a partida que consagrou o flamengo como vitorioso do campeonato carioca 2024 e o meu estimado parente me pôs a parte desta ocorrência: um jogador foi excluído dos jogos oficiais, por um ano, em razão de doping. O curioso é que nenhuma perícia acusou uso de substância ilícita por parte do atleta prejudicado. Foi realizado um sorteio, e o nome tirado foi o dele. Pelo regimento, o selecionado teria que urinar em um recipiente diante do técnico responsável pela coleta. Alegando não concordar com tamanha exposição, o atleta não se submeteu ao procedimento, tendo sido, por isso, considerado reprovado no teste. Narrados os fatos, passamos ao direito. Em primeiro lugar, não se pode inverter a presunção de mérito, ou seja, até que se prove o contrário, somos todos inocentes, e não culpados. Contudo, a presunção teve sua base invertida. Ademais, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Claro, faz parte da sabedoria popular o jargão “quem não deve, não teme”. Coibir o doping é uma questão de ética e justiça, pois sabemos o quão potencializadoras são certas drogas. Lado outro, a Constituição de nosso país nos garante o direito à intimidade e à privacidade. Creio que a regra de urinar diante do extrator da amostra visa a evitar qualquer fraude. Não obstante, gizo que é possível evitar fraude sem que, para isso, seja violada a privacidade do atleta. Bastaria entregar um recipiente ao atleta, e solicitar que ele depositasse ali o material a ser analisado, dentro de uma cabine vazia, que impedisse o emprego de qualquer ardil capaz de frustrar a averiguação. Em havendo alternativa a essa metodologia invasiva, é de ser rechaçada, já em esfera judicial, essa praxe nada conveniente. Talvez tenhamos a noção de que o atleta é um tipo de profissional que está habituado a ter o próprio corpo exposto. Não nos esqueçamos, entrementes, que o atleta de maior rendimento possível é um ser humano, como eu e você. O direito abarca todas as dimensões da vida humana, e o esporte não exibe peculiaridade alguma que o afaste da abrangência do ordenamento jurídico. Parece não ter sido o caso no exemplo em apreço, mas é possível conjecturar uma situação em que o afastado por doping redunde na exclusão daquele artilheiro que marcaria o gol da virada do campeonato. Essa ponderação merece ser acolhida, até pelo impacto financeiro que acompanha as alterações dos rumos de um campeonato ou de uma copa. Tão importante quanto zelar pela lisura e honestidade que deve caracterizar os campeonatos, vem a ser o adequado manejo dos meios para atingir este nobre objetivo. Não é lícito impingir constrangimento a um atleta em nome da isonomia que deve haver entre os times. O exame, como vem sendo feito, é uma contradição em termos. Observe-se que o exame expressa essa verdade: “se tu queres vencer no esporte, deverás fazê-lo do modo certo, moralmente válido”. Com efeito, eis que se descortina essa contestação ao atleta alvo da perícia: “se tu queres zelar pela ética no esporte, a perfectibilização deste zelo não pode ocorrer à custa da flexibilização dos princípios morais”. O fiscalizado pode invocar que, aquilo que se lhe impõem, observada a reciprocidade, outrossim pode ser imposto aos impositores. O que vale para um, vale para todos. Bem mais do que um erro de protocolo, o que está em debate é um critério de justiça. Talvez o amável leitor considere esta reflexão como algo distante de sua vida cotidiana. O fato é que, gostemos ou não de futebol, devemos lutar pelo respeito ao direito e às suas instituições. Dos patamares mais altos aos mais modestos. Ou quando você participa de um concurso, tencionando uma vaga no serviço público, não se importa com a relativização, em favor de alguns, das regras do certame que a todos se aplica? O que está em jogo é exatamente isto. O que vale para Chico deve valer para Francisco e vice-versa. Segurança jurídica é um valor que atravessa o ordenamento pátrio de alto a baixo. Trago à baila essa problemática, confiante de que o controle social é a ferramenta mais efetiva em prol do respeito aos bens jurídicos mais valiosos. Direito é luz!