Estado e consciência
De 17 a 19 de setembro de 2024, ocorreu um simpósio organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), versando sobre a laicidade do Estado. A data faz remissão aos 15 anos do Acordo Brasil-Santa Sé. Os religiosos presentes consignaram que o Estado laico é um valor. Em outros lugares do mundo, sobretudo no […]
Por Israel Minikovsky 17 min de leitura
De 17 a 19 de setembro de 2024, ocorreu um simpósio organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), versando sobre a laicidade do Estado. A data faz remissão aos 15 anos do Acordo Brasil-Santa Sé. Os religiosos presentes consignaram que o Estado laico é um valor. Em outros lugares do mundo, sobretudo no Oriente, o que existia e existe, eram e são Estados teocráticos, que impunham e impõem um credo, favorecendo uma denominação, reprimindo as demais. Também se verificam Estados ateus, que desestimulam as manifestações religiosas. Para ser membro de certo(s) partido(s) é necessário, por exemplo, que o filiado se declare ateu. Estado laico não é Estado ateu. Estado laico é aquele que deixa a opção religiosa a encargo do próprio cidadão. Isto inclui todas as manifestações religiosas legítimas e saudáveis, e o próprio ateísmo, ou ceticismo, agnosticismo, etc. O cidadão mediano não possui, via de regra, profunda e densa formação em religião ou teologia. Ele não é um perito em teologia sistemática ou em teologia dogmática. Então, seria melhor se falar em “sentimento religioso”, como o católico que venera Nossa Senhora, ou o evangélico que cultua a Bíblia, ainda que seu saber acerca do assunto seja limitado. De todo modo, por mais que a paixão ou o sentimento sobrepuje o racional, é sempre bem-vindo recordar que uma religião não deixa de ser um sistema de pensamento, uma visão de mundo, uma filosofia de vida. E, nessa qualidade, cada um elege como bom aquilo que melhor lhe apetece. Retomando a frase de Voltaire, “posso não concordar com o que você fala, mas defenderei até o último instante seu direito de dizê-lo”. Toda religião em expansão se depara com a tentação de se abrafolar do poder temporal. Aliás, há religiões que são inventadas, patrocinadas e articuladas, desde o berço, com o intuito de viabilizar um projeto de poder. O legislador não deve intrometer-se na vida íntima dos seus cidadãos, quando não se verifica nenhuma violação de direito, a quem quer que seja. Se há uma compreensão espiritual de que a heterossexualidade se harmoniza melhor com o que está num Texto Sagrado, é preferível que esta matéria fique aos cuidados exclusivos da igreja. Impor, de fora, a heterossexualidade, a quem é homossexual, é uma violência, e não promove mudança naquele que é constrangido. Já a conversão religiosa, a mudança de mentalidade ou metanoia, essa parte do interior para o exterior. Por conseguinte, o poder da igreja não diminui, mas aumenta, pois o assunto é privativo de sua alçada. A teologia do domínio do mundo pode ser interessante onde a maioria das pessoas é cristã, mas o efeito é o exato oposto quando a denominação hegemônica é outra, que não o cristianismo. Por isso que Igreja e Estado devem estar desvencilhados, numa espécie de acordo de cavalheiros. Não deixemos de considerar ainda, que já não é consenso, entre todas as denominações (aliás, nunca existiu tal unanimidade), aquilo que viria a ser, exatamente, o cristianismo. O Estado laico é o conceito mais genial ao lado do ecumenismo, e seu complemento natural. Inadmissível que bispos e cardeais queiram corrigir o Sumo Pontífice, Francisco, dizendo que as religiões não são iguais entre si. Até uma criança do primeiro ano de catequese sabe disso. O fato é que nós, os cristãos, devemos ter um excelente relacionamento com os fiéis que seguem outros credos. O Estado exige que os cidadãos sejam cumpridores das leis. A Igreja oferece argumentos espirituais para adimplir a estes comandos. Estado e Igrejas podem firmar parcerias de cooperação recíproca. Uma pessoa, que tenha a consciência em paz, está mais propensa a ser um bom trabalhador e um cidadão comprometido e engajado. O direito é cogente e traz consigo a prerrogativa da exigibilidade. A religião endereça seu discurso ao foro íntimo dos ouvintes, avançando no campo ético, lá onde o direito, por sua própria natureza e definição, não pode chegar. O projeto do Ocidente, do multiculturalismo e do respeito à diversidade, vai prosperar, mas para que isso aconteça, nós, cristãos, deveremos ser peças-chave, os protagonistas desse processo civilizacional. A lógica binária “ou eu, ou você” deve ceder seu lugar para a lógica sintética “eu e você”, ainda que o “eu” e o “você” pensemos e acreditemos em coisas diferentes. Nós, ocidentais, passamos por processos coletivos e sociais sem par em outros rincões do planeta. Destarte, devemos ter paciência com aqueles que não tiveram a oportunidade de passar pelas mesmas aprendizagens, entendendo que as nações têm o seu próprio ritmo e o seu próprio tempo. No passado, ser pioneiro consistia em dominar. Hoje, ser pioneiro, é acolher. Não percamos a dianteira da liderança. Luz!