Estudo da religião: a moda do momento
Desde que sou uma criança, não me recordo de ter sido a religião o objeto de tantos estudos, leituras, debates, interpretações e análises. No entanto, por que, do posto de filha pobre, a religião, presentemente, tornou-se uma princesa? Primeiro, devo dizer que o ser humano e a religião nasceram do mesmo parto. Mais que o […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
Desde que sou uma criança, não me recordo de ter sido a religião o objeto de tantos estudos, leituras, debates, interpretações e análises. No entanto, por que, do posto de filha pobre, a religião, presentemente, tornou-se uma princesa? Primeiro, devo dizer que o ser humano e a religião nasceram do mesmo parto. Mais que o homem ter inventado a religião, do contrário, o homem é produto da religião. Nós criamos uma série de mediações materiais a serem interpostas entre nós, a natureza e o objetivo a que visamos alcançar. A religião, dentre seus vários papéis, cumpre um propósito similar. Ela existe para explicar porque sentimos dor, sofrimento, frustração, e ainda nos fornece os conceitos, os símbolos e os valores, para perseverarmos em meio às dificuldades, mantermo-nos firmes nas adversidades. A religião explica o homem a si mesmo. O grande consolo entre a realidade que desejo, e a realidade de privação em que me encontro, é a religião. A privação e a resiliência viriam a ser a têmpera do espírito. No século dezenove se firma o paradigma científico. Em nome desse padrão de conhecimento se sacrificam os demais. As ciências nascidas dos novecentismos são negacionistas em relação aos saberes filosófico e teológico. Todavia, hoje, os cientistas estão mais confortáveis para admitir que ciência, filosofia e teologia têm áreas de abrangência próprias, métodos e interesses próprios. E os próprios teólogos e religiólogos já assimilaram a crítica do positivismo, e das ciências humanas, como a filosofia, a hermenêutica, a psicologia, a sociologia, a antropologia, a economia, a linguística, etc. Agora, por isso mesmo, a discussão não gira em torno de afirmar ou negar a religião, mas de guindar a discussão a um patamar mais elevado, onde os conceitos se revestem de maior sofisticação, onde são potencializados os textos de perene referência. No passado rural da sociedade brasileira, de certa forma, ainda penumbra medieval, a religião servia de argamassa que cimentava as relações entre as pessoas. O denominador comum eram os conceitos e valores da religião cristã. A solidariedade decorria da semelhança dos pensares. Com o mundo contemporâneo, entrementes, o que temos é o pluralismo. Precisamos aprender a conviver com o diferente. Temos em comum o sermos religiosos, marcados pela diversidade de credos. Para produzir uma teoria que una os seres humanos em torno dessa comunhão, a religiosidade, existem, basicamente, três vias percorríveis: a religião como fenômeno, a religião como linguagem, e a religião como ethos. Esta última posição é defendida por Hans Küng. Quando se fala em ethos, está-se a dizer que precisamos nos amar e nos respeitar, em que pesem as diferenças. O princípio número um deve ser o respeito à vida. Uma religião que redunda em morte, ou que simplesmente não promove a vida, não cumpre seu papel. A religião é esse guia, ele nos ensina a nos portarmos no momento presente, explicando a nossa origem e o que nos aguarda no futuro. Essa busca desenfreada pela religião demonstra bem onde a filosofia, e toda a tradição intelectual ocidental, nos levou: estamos enredados numa malha gigantesca de conceitos, mas isso não nos satisfaz. E por estarmos insatisfeitos, estamos retornando à religião. E o paradoxal de tudo, é que, no afã da busca pelo sentido, a filosofia, novamente ela, também está em alta, ladeando a própria religião. Agora é o momento oportuno para fazermos uso de tudo aquilo que temos à nossa mão: os princípios da ciência, da filosofia e da teologia. Esses saberes que trilharam a divergência já estão maduros para caminhar para um novo ponto de convergência. O materialismo foi uma espécie de apogeu da ciência. Mas não há circuito que não retorne à origem e se ache, uma vez mais, no perigeu. Ao que me parece, o alinhamento de que falo é para já. Não percamos a oportunidade, façamos aquilo que precisa ser feito, adimplindo toda ortodoxia e toda ortopraxia. Quero crer que o descrédito da religião tenha refletido um momento ectípico. O “homem total” do socialismo, ficará aquém da almejada totalidade, se lhe for subtraída a dimensão numinosa. Luz!