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Hambúrguer in vitro

Thomas Malthus (1766-1834) teorizou que a produção agrícola crescia aritmeticamente, enquanto a população mundial crescia geometricamente. A segurança alimentar, desde tempos imemoriais, tem sido um desafio ao ser humano. O inventor do DDT, Pauly Mueller (1899-1965), num momento inicial, trouxe otimismo para os preocupados com a fome. Mas não tardou (1962), entretanto, a publicação de […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

Thomas Malthus (1766-1834) teorizou que a produção agrícola crescia aritmeticamente, enquanto a população mundial crescia geometricamente. A segurança alimentar, desde tempos imemoriais, tem sido um desafio ao ser humano. O inventor do DDT, Pauly Mueller (1899-1965), num momento inicial, trouxe otimismo para os preocupados com a fome. Mas não tardou (1962), entretanto, a publicação de “A Primavera Silenciosa”, escrita por Rachel Carson, denunciando os efeitos nefastos do DDT sobre a reprodução animal, sobretudo de aves. O milagroso inseticida, que asseguraria colheita farta para eliminar a fome do planeta, comprometeu a calcificação dos ovos das aves silvestres. Ainda neste viés, situa-se o projeto apresentado por uma equipe da Universidade de Maastricht, nos Países Baixos. A meta, agora já alcançada, seria produzir carne de verdade em laboratório. Em 21 de junho de 2023, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos liberou a comercialização da novidade alimentícia. Trata-se de células colocadas em um recipiente e que se reproduzem ali mesmo, não sendo um símile ou substituto vegetal. A essência do produto é animal. São extraídas células-tronco de um animal saudável, mais um óvulo fecundado, submetidas a uma temperatura adequada em biorreator, direcionado para um soro rico em nutrientes. Tem-se um crescimento celular animal fora de um organismo animal. É uma mistura de aminoácidos, ácidos graxos, açúcares, sais, vitaminas e outros elementos. Os responsáveis pelo projeto asseguram que a metodologia proporciona alimentação humana segura. Os princípios, que estariam a nortear o projeto, seriam 1) a evitação do uso exagerado de água nos processos produtivos alimentares e 2) a evitação do sofrimento animal. Portanto, o objetivo seria reduzir a pegada hídrica e evitar, por completo, a violação do direito animal, consistente numa vida sem sofrimento ou dor, realidade que não se harmonizaria com os procedimentos próprios do abate. Se o meio ambiente e a vida animal fazem jus às defesas promovidas por seus causídicos, o que mais me chama a atenção é o lugar do ser humano nisso tudo. Espero que, realmente, a inusitada vianda não prejudique a nossa saúde, e que ela represente a inauguração de uma época sem fome. Eu nunca tive dúvida de que as soluções para os grandes problemas do mundo, necessariamente, haveriam de passar pela ciência. A carne econômica e ecologicamente barata não pode acarretar salgado prejuízo à saúde dos seus consumidores. Fica a questão: será que, deveras, a carne in vitro equipara-se em valor nutritivo à carne normal? Questionamento este já feito em relação às hidropônicas. Não se sabe se aquela linda e gigantesca cabeça de alface é tão nutritiva quanto belo é o seu aspecto aos olhos. A dar oiças a Ludwig Feuerbach (1804-1872), para quem “o homem é aquilo que ele come”, acirrada discussão sobre o assunto não seria nem um pouco meninil. Mesmo que reste plenamente comprovada pela ciência a compatibilidade da tal carne com o organismo humano, não há dúvida de que, ao menos nos países ocidentais, a inserção da novidade no cardápio será impactada negativamente por fatores de ordem cultural. Poucos têm coragem para comer esta “carne” e, os mais corajosos, não se sentem absolutamente confortáveis. Os órgãos estatais de fiscalização precisarão trabalhar dobrado. Refiro-me às abordagens de vigilância sanitária e saúde, pois processos parecidos poderão ser usados para falsificações. O consumidor final poderá ser facilmente engambelado, pois sua percepção não transcende muito o cheirar e apreciar o sabor, justamente quando o nariz e a língua mostram-se sentidos ingênuos, contornados por aromatizadores e saborizadores. A cada dia sabemos, menos e menos, o que colocamos para dentro. O consolo vem do próprio Cristo: “O que torna o homem impuro não é o que entra pela sua boca (e é lançado fora), mas aquilo que sai, isto o torna impuro”. Luz!