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IV Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional

No dia 30 de agosto de 2023, no auditório do Instituto Federal Catarinense, das 13h às 18h, ocorreu a IV Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Bento do Sul. A conferência teve como objetivo o que segue: Fortalecer os compromissos políticos com a democracia, com erradicação da fome com Comida de Verdade […]

Por Israel Minikovsky 53 min de leitura

No dia 30 de agosto de 2023, no auditório do Instituto Federal Catarinense, das 13h às 18h, ocorreu a IV Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Bento do Sul. A conferência teve como objetivo o que segue: Fortalecer os compromissos políticos com a democracia, com erradicação da fome com Comida de Verdade e com o Direito Humano à Alimentação Adequada, por meio de sistemas alimentares justos, antirracistas, antipatriarcais, sustentáveis, promotores de saúde e da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. A programação foi esta:

12h30min – Credenciamento

13h – Abertura/regimento interno

13h30min – Palestra

14h30min – Coffee Break

15h – Eixos – trabalhos em grupos

Eixo 1 – Determinantes estruturais e macrodesafios para a soberania e segurança alimentar e nutricional

Eixo 2 – Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e Políticas Públicas Garantidoras do Direito Humano à Alimentação Adequada

Eixo 3 – Democracia e participação social

16h30min – Plenária – Apresentação de relatórios dos grupos e aprovação das propostas

17h30min- Eleição dos delegados

18h – Encerramento da IV Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Composta a mesa de autoridades e dada a palavra ao prefeito municipal, Antônio Joaquim Tomazini Filho, o mencionado gestor nos recordou de que somos uma potência agrícola e nos notabilizamos como grande exportador mundial de grãos e carne. Não obstante isto, temos sérios problemas alimentares. Sendo assim, o objetivo da conferência é democratizar, é trazer ideias. Essas ideias são vertidas em projetos. Algumas dessas ideias vão para Brasília, que é onde se resolvem as coisas. O diretor do campus, Alessandro Iavorski, esteve na solenidade de abertura também. A presidente do COMSEA, Rochele Spolde Mahlke, abriu oficialmente a conferência e deu as boas-vindas a todos. A palestrante foi a nutricionista, professora e mestra Aline Maria Salami. Ela já ocupou diversos cargos administrativos em departamentos ligados à política de segurança alimentar e nutricional. Como toda outra política, a de segurança alimentar de igual maneira espelha uma realidade histórica e estrutural. Semelhantemente ao CRAS ou ao CAPS, o SISAN precisa ser reconhecido como um equipamento das políticas públicas estatais. Dentro dele é que funcionam e atuam as unidades físicas como restaurantes populares e depósitos de alimentos. O alimento é um direito e não uma mercadoria. Se ele for entendido como mercadoria, quando se tem dinheiro, se compra, quando não se tem, não se compra. A pandemia explicitou as desigualdades sociais. Em 2012 se erradicou a fome, e em 2019 o contexto era outro. O acesso ao alimento deve ser regular e permanente, sem afetar outros direitos sociais, e que seja sustentável. Estamos batendo recordes na produção de grãos, somos um dos maiores exportadores do planeta, produzimos muita carne e as pessoas estão com fome e, literalmente, compram ossos. Enquanto alguns passam fome, se verificam filas em concessionárias de carros de luxo. Sim, Santa Catarina tem um dos três melhores IDHs do Brasil. Mas esse dado não pode ser desligado de um contexto maior. Em se tratando de insegurança alimentar grave, expressão técnica equivalente a “passar fome”, em Santa Catarina se verifica um percentil de 2,0% a 2,5%, o que se elevou na gestão federal de direita para 4,6%, correspondente, em números absolutos, a 338 mil pessoas. Na categoria de insegurança alimentar moderada temos um contingente, ainda em nível estadual, de 900 mil pessoas. Nessa situação, as pessoas comem, mas passam a diminuir a frequência ou a quantidade de alimentação. Já na categoria de insegurança alimentar leve as pessoas substituem, por exemplo, macarrão por miojo ou carne por salsicha. As três situações somadas equivalem a 40,6% da totalidade da população catarinense. Isto deixa conspícuo que insegurança alimentar, em que pese o IDH, é problema, sim, em Santa Catarina. Nós não devemos ter nenhuma tolerância para com a realidade da fome. A fome tem cor (afeta mais negros do que brancos), tem gênero (afeta mais mulheres do que homens) e escolaridade (afeta mais os menos escolados). Continua a reverberar a EC 95. A famosa PEC que congelou por 20 anos o teto de gastos na área social. Sem orçamento, obviamente, não se realiza política alguma. Outro problema não desimportante foi a contrarreforma trabalhista. Não se reformou nada, só se flexibilizaram os direitos trabalhistas. Legalizou-se o trabalho intermitente e isto possibilitou pagar salários inferiores ao mínimo. Pesquisa realizada por acadêmico da UFSC abordou alimentação nos municípios de Santa Catarina. Constatou-se que em Santa Catarina nós temos emprego formal, porém estamos com problema de baixa renda. Esse salário insatisfatório redunda na aquisição insuficiente de recursos alimentares. Fatores econômicos de ordem macro, como preço do petróleo, oscilações da bolsa de valores e o câmbio do dólar, contribuem para corroer o valor da moeda. A desestruturação do SISAN, mediante o Decreto 10.713/2021, assinala outro de tantos duros golpes contra a política em apreço. Integram como atores da política de segurança alimentar o PNAE, que regulamenta a merenda escolar, a CONAB, que é companhia de abastecimento que contrabalança oscilação dos preços no mercado internacional, relativizando e compensado os excessos, o PAT, que visa aprimorar a alimentação do trabalhador, o PAA, programa de aquisição de alimento que articula abastecimento e compra de produtos da agricultura familiar, o PCT, que se preocupa com a boa alimentação dos povos e comunidades tradicionais. Feito este introito, foram abordados os três eixos em suas abrangências, a iniciar pelo Eixo 1 – Determinantes estruturais e macrodesafios para a soberania e segurança alimentar e nutricional. Nesse item se gizou que alguns modelos se reproduzem historicamente na sociedade. Essa diferença social e econômica, cujo consectário alimentar se visa erradicar, é normalizada e naturalizada. Precisamos, portanto, de ideias para superar esse modelo excludente. Existe um viés de raça. A sociedade patriarcal faz com que as mulheres tenham mais dificuldade de colocar-se no mercado de trabalho. Mulheres e homens, em algumas vezes ocupam a mesma função, e elas recebem de 30% a 40% a menos na comparação. A alimentação, entretanto, como direito, é universal. Nós temos vários macrodesafios. Um deles é consistente na desigualdade de acesso à terra de qualidade e ao crédito rural. Vemos comunidades quilombolas radicadas em solo de má qualidade, marcado por topografia acidentada e dificuldade de acesso físico (via). A população imigrante é outro segmento que se depara com semelhantes obstáculos. O fato é que o alimento há de ser obtido, necessariamente, por uma destas duas opções: ou a pessoa o produz, ou o adquire. Eixo 2 – Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e Políticas Públicas Garantidoras do Direito Humano à Alimentação Adequada. Abre-se este tópico com a seguinte pergunta: o que fazer para fortalecer o SISAN? É preciso identificar as fragilidades e fortalezas do sistema. Ele é um sistema muito recente e se encontra em fase de estruturação. Em 2019 o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA foi extinto e fragilizou ainda mais o SISAN. A estrutura requer um orçamento adequado para implementação e estruturação. Voltando ao nível local, há a necessidade de construir o plano. A conferência tira diretrizes e prioridades para o plano. O COMSEA ratifica as propostas e articula junto à secretaria de agricultura, assistência social, educação, e outros. Fica a pergunta: como está a implantação do SISAN no seu município? Tem conferência? Tem conselho? Depois de pronto o plano ele é enviado para o conselho municipal. Ele aprova e passa a monitorar a sua execução. É preciso fazer um diagnóstico do nível de adimplemento do plano. Todas as pessoas do município estão sendo contempladas? Não raro se vincula a oferta de restaurante popular à publicação de edital. Ora, o restaurante popular tem de ser uma política de Estado e não de governo. Ele não pode ser um programa, tem de ser um serviço, leia-se, deve ser ofertado permanentemente. Precisamos fazer acontecer a democratização ao sistema de produção e abastecimento, associada à sustentabilidade. Hoje nós temos o concurso de dois modelos de gestão (lógica estatal e capitalista). Fica a reflexão: o que determina eu levar um produto alimentício é a qualidade dele ou o seu preço? Nós estamos passando por aquilo que os teóricos decidiram nominar de “sindemia global”. Ela é a síntese de três pandemias: 1) Fome; 2) Obesidade; 3) Mudanças climáticas. Essas três pandemias decorrem de um sistema alimentar não sustentável. No geral, os produtos alimentícios estão repletos de corantes, aromatizantes, saborizantes, conservantes, agrotóxicos, e percorrem milhares de quilômetros para chegar à mesa do consumidor final. Em Florianópolis, o peixe “de casa” é mais caro do que o peixe asiático que se compra nos mercados estabelecidos formalmente na capital. Pesquisa científica capitaneada por Sonia Corina Hess aponta que águas de lençóis freáticos estão contaminadas por agrotóxicos, sobretudo glifosato. É preciso promover educação alimentar e nutricional. Como todo o mais, precisamos aprender a nos alimentar. Como estão os hábitos alimentares de indígenas e quilombolas? Trata-se de nutricionismo ou cultura alimentar. Deve ser considerada a sociodiversidade e a regionalidade. Cinco questões a serem enfrentadas: 1) Acesso a alimento e água; 2) Aumento da disponibilidade de alimento para consumo humano; 3) Acesso a informação nutricional sobre qualidade, origem, se é transgênico; 4) Acesso à terra e aos meios de produção e, por fim, 5) Valorização do salário mínimo, emprego e renda para a população. Precisamos pensar na população de rua instalando bicas d’água. Nós temos desertos e pântanos alimentares, no sentido de que, em algumas regiões, o alimento a ser consumido nunca chega fresco. Na questão do acesso à terra e meios de produção, o que pega são questões de gênero, etnia, origem social, etc. Afunilando estas considerações, direcionamos o amável leitor para o Eixo 3 – Democracia e participação social. Apesar de muitas semelhanças, SISAN, SUAS e SUS apresentam diferenças entre si. O direito à alimentação passa por outras políticas: emprego, renda, habitação, saneamento, educação, e outros mais. O conselho deve ser composto na razão de 2/3 para representantes da sociedade civil e 1/3 para representantes do poder estatal. É imprescindível promover a integração entre o lado “gov” e “não-gov”, elaborar propostas que aproximem a sociedade civil e a iniciativa pública. Ao menos nesta matéria, governança é pensar e construir a almejada segurança alimentar. É preciso mobilizar a sociedade. É preciso procurar caminhos, conquistar espaços. A população de baixa renda, a mais vulnerável, está sendo ouvida? Devemos acompanhar, pari passu, os atores sociais das feiras e da agricultura familiar. Um dos desafios é fortalecer o SISAN (através, inclusive, da criação dos conselhos nos municípios). É bem-vinda a integração dos gestores dos três níveis de administração (municipal, estadual e federal). Esta política precisa de recursos humanos. Não raro, tem-se no município um único secretário-executivo para todos os conselhos, de todas as temáticas. É preciso garantir a diversidade dos integrantes dos conselhos. Apenas 53 municípios de Santa Catarina – de um universo de 195 – formalizaram adesão ao SISAN. Frise-se que, quem não aderir ao sistema, não poderá acessar as competentes verbas. A explanação foi encerrada com uma citação do nobelizado em literatura Gabriel García Márquez: “Apesar disso, à opressão, ao saque e abandono, respondemos com vida. Nem enchentes nem pragas, nem fome nem cataclismos, nem mesmo as eternas guerras, séculos após séculos, foram capazes de subjugar a persistente vantagem que a vida tem sobre a morte. Uma vantagem que cresce e acelera: todo ano, há 74 milhões de nascimentos a mais do que mortes, número o suficiente de novas vidas para multiplicar, a cada ano, a população de Nova York sete vezes”. Aberta a etapa para perguntas e questionamentos, a assistente social e vereadora Karen Lili Fechner perguntou sobre quem poderia participar do COMSEA, com vistas a incluir o usuário, alvo maior da política, na discussão respeitante aos seus próprios interesses. Foi dito que as reuniões do conselho são abertas ao público e que, em princípio, somente representantes de entidades podem integrar o colégio deliberativo, sendo uma das saídas para incluir o usuário, eventualmente, a criação de um fórum de usuários. A assistente social Roseli Rozangela Pascoal indagou sobre quais razões explicariam a baixa adesão dos municípios catarinenses ao SISAN. A palestrante pontuou que são várias as respostas: fragilização do SISAN, extinção do conselho nacional, as prefeituras são muito pragmáticas e só aderem em havendo certeira perspectiva de recebimento de verba, um problema cultural que se traduz na pouca valorização temática alimentar por ser uma política ainda recente, e acentuada setorialização, alheia à desejável articulação. Recebemos como convidados cidadãos de Rio Negrinho, nosso município vizinho. Entre os tais, achava-se Manoel, representante da agricultura familiar e assentados da reforma agrária. O município fronteiriço ficará sem representantes na conferência estadual por inércia do executivo local. Isto posto, a palestrante sugeriu fazer constar no documento produzido pela conferência, que São Bento do Sul recebeu estas lideranças. Foi sugerido que haja nos municípios uma secretaria específica para segurança alimentar e nutricional. É preciso um espaço na estrutura administrativa. É preciso a presença de nutricionista no SUAS. Não é reserva de mercado, é uma garantia para o cidadão. Para finalizar, ressalvou-se que, mesmo em se formulando várias propostas no curso da conferência, se o gestor não der a devida importância para a política, ela não funcionará. Luz!