Janeiro Branco
A exemplo do que ocorre com o outubro rosa e com o novembro azul, que, respectivamente, procuram alertar sobre a importância de se prevenir o câncer de mama e do colo de útero, e sobre doenças masculinas em geral e, especialmente, sobre o câncer de próstata, algo similar é feito no mês de janeiro. O […]
Por Israel Minikovsky 17 min de leitura
A exemplo do que ocorre com o outubro rosa e com o novembro azul, que, respectivamente, procuram alertar sobre a importância de se prevenir o câncer de mama e do colo de útero, e sobre doenças masculinas em geral e, especialmente, sobre o câncer de próstata, algo similar é feito no mês de janeiro. O mês de janeiro é dedicado à saúde mental. O critério de escolha da januária calenda tem a ver com o fato de, por esta época, as pessoas estarem mais propensas a pensar na vida e em questões existenciais. Já a cor branca sugere uma folha sem escrita, até o momento, que nos faculta a possibilidade de iniciar o roteiro agora mesmo, daqui para frente. Quando o assunto é saúde física, parece não haver dúvida de que alimentos superprocessados, ricos em gordura, sal, açúcar adicionado, gorduras trans, etc, fazem um tremendo mal à nossa saúde. Todavia, pensando bem, não evitamos os superprocessados das mídias. A mente também é um estômago. Não dá para abarrotar a mente de lixo e querer ter saúde mental. Precisamos ser mais seletivos com o que vemos, lemos e ouvimos. Em tempo, dia sete de janeiro foi o dia mundial do leitor. O que estamos a ler? Qual o nível conceitual do material que lemos? Nossa literatura é feita de farinhas finas e carboidrato simples, ou é feita de vitaminas, proteínas e carboidrato complexo? Atualmente estou lendo os Upanishads. Alfred North Whitehead disse que toda a tradição filosófica ocidental não passava de uma nota de rodapé à obra de Platão. Ora, se o amável leitor dignar-se ler os Upanishads, verá que toda a tradição filosófica ocidental, inclusive Platão, inclusive toda a literatura canônica e apócrifa judaico-cristã, é apendicular aos poemas invocados. Exagero meu? Bem, considero o nível de leitura da Bíblia mais profundo possível. Na profundidade, exatamente nela, está a concordância. A primeira pessoa que falou dos tais Upanishads, para mim, foi o padre Lucas Ignácio Scheid, que lecionou filosofia no Instituto Dehonista, quando eu lá estava, a cursar o primeiro ano do ensino médio, em Curitiba, em 1994. Apesar de ser um homem bastante culto, o religioso mais famoso de sua família foi seu irmão, Dom Eusébio Oscar Scheid, já falecido. Os Upanishads são o tipo de coletânea poética, de inquestionável teor religioso-filosófico, que fazem o leitor dedicar toda uma tarde a uma única página, tal é a densidade do que ali foi escrito. E, na real, quantos de nós conhecem essa pérola da cultura indiana? Os Upanishads exibem o contraste entre a cultura oriental e a ocidental. Nós, ocidentais, somos práticos, sim, mas também somos exageradamente superficiais. As melhores ideias filosóficas que podemos ter, parecem ser percussão de noções já presentes nos textos antigos dos povos do oriente, isto é, sombras dessa cultura, expressas em linguagem modernizada. Não sei se há relação entre os dois eventos sociais, mas arrisco sugerir que deva haver vínculo entre ambos os fenômenos, sempre que se noticiam índices respeitantes a estilo de vida e comportamento, o aumento dos casos de transtorno mental se fazem ladear pela constatação do declínio do hábito de leitura. A leitura é esse hábito poderoso, que nos faz ver o quanto somos ignorantes. É muito importante que, de tempos em tempos, demos uma olhada por cima do muro que confinam nossos pensamentos. A ansiedade, angústia e depressão, refletem um espaço pequeno e manjado, uma estreiteza de horizontes. Enxergar longe favorece nossa resiliência. Quando você lê, faz um favor a si mesmo e ao seu país. Os países mais desenvolvidos são os que cultivam o hábito da leitura. A leitura potencia seu senso crítico em relação a tudo o que o circunda. E, ao empoderá-lo desta forma, faz com que você seja um intérprete dos fatos e ocasiões, e não vítima dos tais. A maior parte das pessoas prefere redes sociais, a um romance de centenas de páginas, simplesmente porque a primeira opção oferta muitos estímulos. Precisamente aqui está o punctum dolens: a vivacidade do romance só se concretiza pelo nível de motivação e atenção do leitor. Essa cobrança, de fazer do leitor alguém que vai ativamente em busca do sentido do texto, é o fator que revoluciona a vida de quem cultiva este hábito. O não esforço traz problema, e o esforço traz o prêmio. Não duvido de que haja um sentido intrínseco à vida. Mas, a par disso, é necessário que cada um tenha seu próprio propósito de vida. E a leitura vai auxiliá-lo na definição deste propósito. A antiguidade das tradições literárias filosóficas e religiosas é o documento probatório de que, desde que passamos a nos relacionar com o mundo pela mediação da cultura, tem sido agenda prioritária ler e escrever, fletir nossa alma, com o selo da escrita, sobre os papiros que atravessam tempos e épocas. Livro é remédio e luz!