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Lei Padre Júlio Lancellotti

Recentemente, foi regulamentada uma lei coibindo a prática do costume denominado “arquitetura hostil”. A propósito, permita-me apresentar-lhe o padre Júlio. Ele é um religioso católico que milita na pastoral voltada à assistência ou bem-estar de pessoas em situação de rua. A nomenclatura oficial adotada pela Igreja Católica é “Pastoral do Povo de Rua”. A arquitetura […]

Por Israel Minikovsky 17 min de leitura

Recentemente, foi regulamentada uma lei coibindo a prática do costume denominado “arquitetura hostil”. A propósito, permita-me apresentar-lhe o padre Júlio. Ele é um religioso católico que milita na pastoral voltada à assistência ou bem-estar de pessoas em situação de rua. A nomenclatura oficial adotada pela Igreja Católica é “Pastoral do Povo de Rua”. A arquitetura hostil, ou o desenho hostil, pode traduzir-se na alocação de pedras embaixo de viadutos a fim de que tais espaços não sejam usados como paragem de mendigos e congêneres. O desenho hostil pode se fazer presente com a instalação de pedras pontiagudas em locais que poderiam servir de assento. Não raro, usam-se, às vezes, tirantes pontiagudos para rechaçar os que ali pretendiam fazer uma pausa. O projeto de lei combate o emprego destas estratégias e dos meios físicos a elas inerentes. O diploma legal, e sua exposição de motivos, se situam no plano de não repelir, o que não é exatamente o mesmo que acolher. O que temos visto é o cruzamento das metas de políticas diferentes. Porque o profissional de urbanismo está mais preocupado com mobilidade, enquanto o profissional de assistência social foca sua atenção no processo de integração daqueles que se acham com vínculos familiares e comunitários rompidos. E a iniciativa legal em comento une estas duas pontas. Quem se deu o trabalho de trilhar um curso de criminologia, bem sabe que o plano diretor de grandes cidades, sobretudo aquelas que recebem pessoas do mundo todo, é pensado sob os mais diversos vieses, inclusive ponderando o fator criminalidade. Uma ideia interessante consiste em projetar uma cidade de tal maneira que não haja local ou ambiente propício para o cometimento de delitos, ou para um modus vivendi baseado na cultura marginal, casada com a criminalidade. Com a superveniência da lei aqui referida tudo fica mais complexo. Como perfectibilizar o desenho de uma cidade de tal maneira que ela seja, a um só tempo, não hostil às pessoas em situação de rua e inibidora da criminalidade? Tráfico de drogas é crime. Moradores de rua, recorrentemente, são dependentes químicos, e vivem e sustentam o próprio vício, comerciando entorpecentes. Então, para a pasta de segurança pública ele é um meliante, e para a pasta de assistência social, ele é uma pessoa carente de apoio e intervenção qualificada do Estado. A metodologia de avaliar uma medida, mesmo ainda antes de ela ter sido implantada, é pelo seu (eventual) resultado. Tornar os espaços condominiais públicos confortáveis ou convidativos, incentiva à permanência dessas pessoas ao léu. Verdade maior, em muitas das biografias de andarilhos, constata-se a perda do ponto de retorno. Por conseguinte, sob a ótica espiritual, cuja premissa suponho calcar o agir do padre Júlio, nada mais resta em relação a uma pessoa consolidada no ambiente de rua, adotando o conselho final de entregar a alma deste vivente a Deus. Quem é profissional da saúde mental advoga que, ao adicto, quiçá, o mais recomendável é a redução de danos. Não se vislumbra a possibilidade de superação da dependência química. Na assistência social vale o mesmo: alguns conseguimos resgatar das ruas, outros não mais. Com efeito, o que resta e pode ser feito é isto: diminuir um pouco o desconforto das pessoas que, previsivelmente, não mais integrarão a sociedade. O próprio Cristo nos revelou: “Pobres entre vós sempre os tereis”. Significa isto que, embora não saibamos o que fazer com eles ou para eles, são estas pessoas que revelam a personalidade de um bom cristão. O punctum dolens cumpre a função de direcionar a atenção das pessoas para Aquela Instância que, realmente, vale à pena, a despeito de alguns entendimentos sugerirem indignos de inquietação esses sujeitos avulsos, sem origem e sem rumo. Aparentemente, não vislumbro solução pronta em curto prazo. Desconfio que viria em boa hora uma reunião que envolvesse, dentre outros, gestores públicos, engenheiros, arquitetos, cientistas sociais e religiosos. Em traços largos, estamos a trabalhar com a mesma demanda. A diferença são os valores que nos movem e a metodologia que adotamos. Nunca tivemos tantas e tão boas ferramentas e teorias ao nosso alcance. E quanto mais nos aprimoramos, quanto mais desenvolvemos o pensamento, mais a realidade cobra de nós. No que toca à educação, o problema é global: até os professores alemães se encontram estressados e exaustos. Pontuo isto antes que alguém sugira apostarmos em educação. Qual, afinal, vem a ser a grande solução? Por favor, ajudem-me, o mundo precisa de luz!