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Milei: mostrando a que veio

A barba do vizinho em chamas!

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

A Argentina está prestes a contrair uma dívida no montante de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional. A mídia informou que a perfectibilização do negócio ainda estaria sujeita à aprovação de um conselho. Disfarçar é o melhor que se tem a fazer. De acordo com o organismo financeiro internacional, a celebração do negócio jurídico só ocorrerá em função dos ajustes acertadíssimos realizados pelo presidente argentino. Para ser bem direto, esta ocorrência mostra: 1) quem patrocinou a campanha eleitoral de Milei; 2) a razão para a qual Javier Milei foi empoderado; 3) quem ditou a pauta política que serviu de diretriz do princípio do mandato até agora; 4) o conceito de certo e errado depende do ponto de vista de quem avalia. O mundo, hoje, vive uma batalha de moedas. A soberania inconteste do dólar, no passado, atualmente se vê derruída pela presença do euro, do rublo, do yuan. Digo isto para consignar que, não por mera coincidência, a dívida deve ser quitada em dólar. Esta é uma das metodologias de dolarizar, até onde possível, a economia mundial. Era previsível que Milei fosse fazer o que fez. A premissa da direita casa bem com a noção de que se deve usar e abusar do crédito. O capitalismo se assenta sobre a diferença e sobre a assimetria. Os capitalistas querem um mundo fortemente estruturado sobre uma hierarquia entre ricos e não ricos. Para os países periféricos, apenas a independência política, deixando de lado a independência econômica. Não podemos deixar de admitir que quem concede o crédito também se coloca em um outro tipo de dependência. Se você, como pessoa física, é credor de toda a vizinhança do seu bairro, em levando um calote generalizado, estará propenso a cair fundo num processo falimentar. A isto Émile Durkheim chamou de “solidariedade orgânica”. Se o amável leitor pertence ao perfil racionalista, talvez imagine que essa verba será usada para equilibrar contas públicas e para ser empregada como oferta de crédito a agentes econômicos nacionais, os quais desenvolverão o crescimento do país que, a partir de então, se achará apto a pagar os compromissos avençados. Realizamos um empréstimo, pagamos os juros, devolvemos o capital, fomentamos a prosperidade, e, alfim e ao cabo, tudo ficará bem. Ao menos, melhor do que antes. Um fator ficou de fora: o custo civilizacional. Esses financiamentos se sujeitam aos chamados “ajustes estruturais”. Milei teve que tirar dinheiro grosso da saúde, da educação, da assistência social, da cultura, de uma série de setores, para meter a mão no capital em comento. Servidores públicos de carreira foram sumariamente exonerados. Mediante tais artifícios diminuíram-se despesas e a inflação foi controlada. Cumpre ressaltar que quem poderá acessar este recurso serão os donos dos meios de produção, os que já estão num patamar econômico privilegiado. Se o cidadão comum, de algum modo, será beneficiado, o será apenas pela maior oferta de emprego. No entanto, permanecerão imexíveis as condições do emprego, o valor da remuneração. Com exceção da vaga gerada, tudo continua como antes na terra de Abrantes. Pessoas alijadas da atividade econômica, a partir de agora, terão o direito de ser exploradas. Isto é admissível. Mas só. E nada mais. Milei ainda acredita que um país possa ser rico, ainda que o seu povo seja pobre. Se esse dinheiro fosse bem administrado ele poderia ser usado para fins úteis. Mas tenho sérias dúvidas a respeito da capacidade administrativa do chefe do Executivo Federal argentino. Não é possível dizer, presentemente, se essa verba será o remédio da economia argentina ou, se, ao contrário, aumentará ainda mais sua situação de insolvência. O que fica bem nítido, é que os norte-americanos preocuparam-se em fazer com que a Argentina se endividasse com eles, antes que fosse tarde, e o mutuante viesse a ser a China. Para nós, brasileiros, o saldo político e econômico é negativo. A decisão do governo argentino enfraquece o Mercosul, enfraquece, outrossim, o BRICS. Pobre povo hermano, um povo que brilhara tanto em dias infelizmente idos. Os argentinos vivem uma recessão econômica e democrática. A democracia liberal nunca é, de fato, uma democracia. Este importante evento político e econômico expõe a nossa incapacidade de fazer uma boa política regional, a nossa incapacidade de articular uma minuta com prioridades, que beneficie aos países envolvidos. Da América Latina à África, a implantação e execução de cartilhas ultraliberais, impostas por entidades creditícias internacionais, não funcionaram em ponto algum deste planeta. Nem do ponto de vista social, e nem mesmo do ponto de vista econômico ou da higidez das contas públicas. Não se vislumbra luz ao fim do túnel.