Morte: causa e finalidade
A Bíblia nos explica que Deus autorizou Adão e Eva comerem os frutos de todas as árvores do jardim do Éden, inclusive da árvore da vida, exceto do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ocorre que Eva deu ouvidos à serpente, e infringiu a interdição. Adão se deixou persuadir pela esposa […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
A Bíblia nos explica que Deus autorizou Adão e Eva comerem os frutos de todas as árvores do jardim do Éden, inclusive da árvore da vida, exceto do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ocorre que Eva deu ouvidos à serpente, e infringiu a interdição. Adão se deixou persuadir pela esposa e cometeu o mesmo delito. O mais incrível de tudo foi que o cometimento desta infração trouxe uma vantagem: abriram-se os olhos da mente de Adão e Eva, eles perderam a inocência intelectual. O lugar em que tudo era natural foi substituído pelo esforço, do corpo e da mente. A inteligência adquirida se converte em instrumento de dominação. Agora passa a fazer sentido dizer ser possuidor de grande experiência, antes ela era desnecessária. A primeira grande experiência é aquela ligada à desobediência. Não por acaso, Oscar Wilde definiu experiência como “o nome que damos aos nossos erros”. O castigo da rebeldia não foi só ganhar o pão banhado em suor, ou parir o bebê em grandes dores, com o pecado entra no mundo a doença e a morte. A doença, quando não curada, serve, justamente, para conduzir à morte. E a morte? Para que serve ela? Ela cumpre vários propósitos. Uma das razões da morte é evitar hierarquização exacerbada entre os seres humanos. Digo “exacerbada”, porque em alguma medida ela é sempre necessária. Quem é muito idoso acaba tendo mais experiência e conhecimento que os mais jovens, e se torna soberbo por causa disso. Ainda que uma pessoa seja idosa e não tenha todo aquele conhecimento que seria de se esperar ou supor, não raro, ela se jacta disso. Por conseguinte, por tal razão, eu creio que uma postura humilde diante de Deus e dos homens, tem o poder de comover o coração de Deus, no sentido de que Ele prolongue os dias dos singelos. Aqui está implícita uma lição de magno valor pedagógico: devemos tratar o outro dentro de um plano de horizontalidade. O pressuposto primeiro é que em ambas extremidades da relação há um ser humano. O panorama da experiência distribui os seres humanos numa escala de vários graus, de acordo com seus méritos e nível de experiência. A desobediência do primeiro casal põe em andamento a categoria e a dimensão do tempo. No plano atemporal não faz sentido a experiência (humana). A morte resolve esse problema, que eu chamaria de “discronia”. Somos mais ou menos nivelados em conhecimento em razão da escassez do tempo. Onde existe o saber, existe a morte. No reino da eternidade o saber será inútil, ali não haverá saber, mas sabor. Assim como nossa andança terrena é provisória, esse mesmo caráter, o da provisoriedade, reveste o entendimento alcançável à mente humana. A causa da morte repousa sobre a iniciativa humana do pecado, e a sua finalidade se volta para a extinção do pecado. Cristo, o gênio da moral, o justo que morre em nosso lugar, o lugar reservado aos pecadores, faz com que morramos n’Ele e, por isso mesmo, ressuscitaremos junto a Ele. Para quem se queixa por não se conformar com o fato de nascermos ignorantes, de modo que cada indivíduo precisa ir em busca de saber, fique ciente de que, se não precisássemos passar para o lado de cá, para nada o conhecimento seria útil. No Éden, de nada havia falta. Comer o que não deveria ter sido ingerido foi absolutamente desnecessário. Quem se propõe dar-se ao luxo de algo atraente, mas supérfluo, traz sobre si a imposição de fazer um sacrifício dolorido e, a rigor, dispensável até que não haja mais volta. Não adianta querer reverter o que, por definição, é irreversível. A alternativa mais perfeita é aceitar as regras, mesmo que internamente não concordemos com elas, buscando lograr o melhor desempenho. Quando as coisas estavam tecnicamente em nosso controle, não soubemos valorizar essa condição estratégica. O que nos cabe, dentro deste nosso contexto, é fazer justamente aquilo que pode ser feito. A vida é um palco de teatro. A peça, admitamos ou não, um dia chega ao fim. Aquilo sobre que podemos influir é se a atuação será bela ou feia. Eu sonhava estar num ensaio, mas para meu desatino, fiquei sabendo que já era a apresentação. O negócio é caprichar daqui para diante. Luz? Bem, você pode chamar essa luz de “árvore do conhecimento do bem e do mal” ou, se preferir, “fogo de Prometeu”. Muitas palavras para uma só ideia.