“Mudança de paradigma” na Teologia
Da iniciativa de Sua Santidade, o Papa Francisco, vem a público o documento pastoral e catequético Ad Theologiam Promovendam. O propósito jurídico do referido texto é viabilizar a revisão dos Estatutos da Pontifícia Academia de Teologia. Ela foi fundada em 1718 por Clemente XI, o líder da Igreja da época. Até o presente momento, os […]
Por Israel Minikovsky 16 min de leitura
Da iniciativa de Sua Santidade, o Papa Francisco, vem a público o documento pastoral e catequético Ad Theologiam Promovendam. O propósito jurídico do referido texto é viabilizar a revisão dos Estatutos da Pontifícia Academia de Teologia. Ela foi fundada em 1718 por Clemente XI, o líder da Igreja da época. Até o presente momento, os Estatutos alinhavam-se com a Carta Apostólica Inter Munera Academiarum, da lavra de João Paulo II. Cumpre rememorar que foi sob o papado secundo-joão-paulino que a Igreja deu a conhecer a Encíclica Fides et Ratio. Na verdade, em traços largos, o intuito continua o mesmo, seja ele, reconciliar ou harmonizar, através de contínuo diálogo, a relação entre fé e razão. Francisco faz uma crítica à teologia administrativa, entendida como aquela equiparável à burocracia de gabinete, haja vista que a própria Igreja, como instituição ou pessoa jurídica, carece desses espaços, regidos por regulamentos análogos aos dos espaços seculares. De acordo com o Pontífice, é preciso cultivar uma teologia de saída, ou extrovertida. A Igreja deve fomentar a sinodalidade, dito de outro modo, ela precisa alçar a universalidade. De maneira tal, que até mesmo ateus se deixem guiar pelos princípios do cristianismo. De acordo com o teor da declaração, o clero que pastoreia o povo de Deus, e os intelectuais que vitalizam a produção literária teológica, devem adotar um método indutivo. Suponho que o tal “método indutivo” se reporta àquele que parte do particular ao universal, da empiria ao conceitual, sendo o método dedutivo o exato inverso disso. O intento é que a teologia seja contextual, mergulhada na realidade de vida dos fiéis. A sugestão de um novo teologizar não inclui apenas a capilaridade, enquanto realidade concreta de homens e mulheres que fazem sua experiência existencial neste mundo, mas ainda a abertura para a ciência. O Papa quer que os intelectuais católicos estabeleçam saudáveis relações com universidades e outros centros de produção de cultura e pensamento. Passados dois milênios, a Igreja do instante presente se mostra situada. Em dado momento, lideranças franciscanas da Inglaterra, tomadas de zelo e boas-intenções, pretenderam protagonizar uma reforma de mentalidade no interior da Igreja, recapitulando o valor das Sagradas Escrituras, preterindo-se o trabalho acadêmico da universidade. Pensavam consigo: quem é este frade dominicano (Tomás de Aquino) para querer suplementar a revelação? Não temos a Palavra de Deus? Não é ela absoluta e exauriente? E a partir dessa compreensão contestatória, e até iconoclasta, alijaram-se do considerável volume filosófico produzido até ali, para conceder à Bíblia uma posição ímpar, sem ladeantes. Ocorre que esse ato de bravura, em tese, consistente em dar a Deus o que a Ele pertence, custou um preço. Sim, porque até então, os mais arrojados intelectos incumbiam-se da mesma missão, a promoção da sintonia entre o saber humano e o divino. Inaugurada a metodologia denominada “navalha de Ockham”, expressão que deriva do nome do franciscano Guilherme de Ockham (1285-1347), a escolástica sofre um golpe duro, que abrirá caminho para o cartesianismo, isto é, para toda a filosofia moderna e contemporânea. A estocástica ensina que um ato principal sempre faz derivar atos reflexos. Portanto, tudo o que se faz deve ser extremamente bem pensado. Aristóteles sentenciou: “O homem sábio não diz tudo o que pensa, mas pensa tudo o que diz”. O novo documento parece corresponder ao “ser simples como os pombos e astutos como as serpentes”. Chega-se a falar em “caridade intelectual”. Seja lá o que for exatamente esta fórmula, creio que o amor sem intelecção é incompleto, e a inteligência sem caridade é perigosa e até imoral. Dialoguemos com todos aqueles que se disponibilizam em ouvir e externar seus próprios sentimentos e valores. O Reino de Deus é o inverso do proselitismo e de visões totalitárias. É assim que Timóteo se circuncida após ter aceitado a Cristo, porque, o que convém ao Reino, paira acima da dogmática. Ninguém precisa doutorar-se em Comunicação Social para descobrir que não faz o menor sentido ignorar o destinatário a quem se dirige o conteúdo da mensagem. A diretriz para a nova teologia consiste exatamente neste entendimento. Que essa luz brilhe nas demais congregações de matiz cristão!