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Mudança na jornada laboral dos congressistas

Quando o viés da norma é acima de tudo seu destinatário

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

O presidente da Câmara Federal, Hugo Motta, do partido Republicanos, pelo Estado da Paraíba, inovou a metodologia de trabalho dos parlamentares. Desde que eu era criança, ouvia dizeres tais como, “em Brasília a semana começa na terça-feira e encerra na quinta-feira”. O que deveria ser anedota, é a mais pura realidade. Não generalizando, jamais generalizando. Em todos os lugares encontramos pessoas comprometidas e aguerridas. De todo modo, doravante, para quem está na deputação federal, a semana começará na quarta-feira, às 16h e se estenderá até às 20h, da mesma quarta-feira. Nossos representantes vão trabalhar quatro horas semanais. Se houver votação na quinta-feira, por exemplo, o parlamentar poderá votar remotamente, através do Infoleg. Na quarta-feira, dia do trabalho presencial, o parlamentar poderá votar do gabinete, não necessitando estar na plenária. Quando o deputado ou a deputada não ocupa um dos 447 apartamentos funcionais à sua disposição, ele ou ela faz jus ao auxílio-moradia no valor de R$ 4.253,00, em tempo, diga-se, deduzível do Imposto de Renda. Com essa mudança, também se questiona acerca da necessidade de manutenção desse benefício. Deixará de haver pernoite. Esse tempo de sobra disponível seria revertido em aproximação do político com sua base eleitoral de sustentação. O mesmo legislador, que batalha contra a redução da jornada semanal de trabalho, de 6 x 1 para 5 x 2, é aquele que, neste instante, acredita na conveniência de perfazer, para si próprio, o circuito 1 x 6. Por que essa gente pensa assim? Ora, é muito simples: eles estão produzindo normas para os seus patrocinadores de campanha, aquela galera que vive o 0 x 7. Sinceramente, desconheço o nível de intimidade que o amável leitor nutre em relação àquilo que se chama “iniciativa legal” ou “processo legislativo”. Em algumas situações específicas, participei da formulação de normas para vigência em âmbito municipal. Estávamos integrando uma comissão montada exclusivamente para a produção legiferante que tencionava regulamentar e organizar uma demanda que batia à nossa porta. Foram semanas de intensos debates. Não raro, gastávamos meia hora num único dispositivo legal. Produção legislativa não é para amadores. Não dá para fazer lei de qualquer jeito. Os termos a serem empregados e o modo de estruturar gramaticalmente os comandos exigem alto nível de perspicácia. É necessário banir anfibologias e ambiguidades. Um único verbo pode ter múltiplas acepções. É preciso observar o uso de termos já consolidados em outros diplomas legais. Já existe um vocabulário jurídico de larga praxe e isto não pode ser desconsiderado. Noutro viés, termos obsoletos estão sendo expurgados, cedendo seus lugares para outros, mais técnicos e mais precisos. Uma norma posta em circulação ou vigência deve trazer em seu bojo, dentre outras qualidades: precisão, objetividade, clareza, rigor, coesão, coerência, organização e inteligibilidade. E se não são exíguas as competências do legislador municipal, devo anunciar que cabe ao parlamentar federal cumprir fielmente a incumbência de normatizar uma vasta gama de matérias, a maioria delas de uma complexidade, no mínimo, desafiadora. E, então, a pergunta que eu faço é esta: materialmente falando, como que uma pessoa que só disponibiliza quatro horas da sua semana, para os misteres da Casa de Leis do país, vai dar conta de tudo realizar com zelo e capricho? Esse é um dos resultados mais fiéis, a retratar a composição hodierna do Congresso Nacional, uma assembleia de legisladores cujos números asseguram a hegemonia do pensamento alinhado com a extrema-direita. Alta remuneração, baixo, quase nulo, volume de trabalho realizado. Esse punhado teratológico de legisladores reacionários, exercendo seu mandato e seu poder sufragante, peleja contra os interesses do Brasil e dos brasileiros, depositando, sempre e invariavelmente, a culpa no Executivo Federal, pelos problemas que a nação atravessa. A grande arma da direita é a desinformação. A direita não informa, ela discursa. Ela conta uma narrativa. E quem, inocentemente, é todo ouvidos, não tem senso crítico, acolhe os dizeres, e os leva para a sua casa, para a sua mente e para o seu coração. Os ideólogos burgueses, já, já, tratarão de naturalizar o regime de trabalho reduzido dos parlamentares, aventando os pretextos mais absurdos e infantis, o que será plenamente acatado, sem deixar de lado a cautela, consistente em dizer que menos de seis dias trabalhados na semana, pelo cidadão comum, é motivo grave para escândalo, o que o Texto Sagrado comina com manifestação de desapreço e repúdio. Ó compatriotas, até quando vós dormireis este sono profundo? Saí da caverna! O que vedes não passa de sombras, buscai a luz!