O Chile mostra o que é uma constituinte
Meses atrás, a imprensa internacional anunciava que o Chile já havia promulgado uma nova Constituição, marcada pelo direcionamento democrático, socialista e esquerdista. Todavia, agora, o vizinho sul-americano dá mostras de que nada está definido em matéria constitucional. Sendo a Constituição de um país o documento formal que estabelece a coluna dorsal do ordenamento jurídico nacional, […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
Meses atrás, a imprensa internacional anunciava que o Chile já havia promulgado uma nova Constituição, marcada pelo direcionamento democrático, socialista e esquerdista. Todavia, agora, o vizinho sul-americano dá mostras de que nada está definido em matéria constitucional. Sendo a Constituição de um país o documento formal que estabelece a coluna dorsal do ordenamento jurídico nacional, ela recepciona discussões sobre os elementos mais basilares de uma civilização. A própria categoria de “nacionalidade”, por exemplo, acende debates que transcendem o mero conceito. Porque, os parlamentares de esquerda, compreendem e defendem que o Chile é um território multinacional, à medida que comporta várias comunidades étnicas, de matriz indígena. Então, esses grupos seriam guindados à condição de igualdade à sociedade tida como “avançada”, mais alinhada com o padrão universalizante ocidentalizado. Mas, o critério de ingresso ou saída de dentro de um conjunto designado por determinado grau de status, não para por aí. A corrente socialista apregoa um compromisso com as políticas públicas sociais, o que diretamente, determinará a repartição dos valores do erário entre as classes sociais, e quem poderá acessar direitos e serviços públicos. A propósito, a própria esquerda chilena, ou ao menos uma ala dela, não está de acordo com a imigração. Quando se acolhe um imigrante, pensam alguns, ele tira o lugar de um autóctone. Porém, se essa preocupação tira a tranquilidade de alguns sedizentes esquerdistas, ela parece ser o mote fundamental da extrema-direita. Essa cautela (seria o termo correto?) xenófoba apoquenta, aliás, não só aos chilenos, mas aos europeus e aos norte-americanos. O líder da esquerda é Gabriel Boriċ Font e o da direita é José Antonio Kast Rist. O fato é que, até agora, o Chile “teve poucas constituições e nenhuma popular”, consoante o noticiário. É bastante paradoxal que a velha Constituição, que remonta aos anos 1980 de Pinochet, sofra revogação, sendo a saída, a assembleia constituinte, conduzida por um extremista de direita, tal como o vergastado militar pelas linhas da história e dos historiadores. O que vemos, neste momento, não é a incerteza de um povo, vemos, sim, uma sociedade dividida em classes sociais, com interesses antagônicos, com um dos lados pelejando para manter os privilégios, e o outro, batalhando pela isonomia, pela igualdade. Esta constituinte, da segunda década do século vinte e um, espelha uma conjuntura calcada em estruturas próprias do regime colonial. Mandatos sucessivos que empoderam a esquerdistas parece relaxar essas lideranças, o que abre caminho para reviravoltas eleitorais marcadas pela repristinação reacionária. Como diria Paulo de Tarso, “quem imagina estar de pé, cuide para não cair”. Enfim, por inexperiência, quem sabe, a esquerda chilena da redemocratização, mesmo “com a máquina”, como se diz, não deu conta de preparar o próprio retorno. Com a diferença, neste caso, de não tratar-se apenas de um mandato a mais ou a menos, mas da elaboração da Carta Reitora de tudo o que se pratica e faz, em nível jurídico, político e social. A ausência de um modelo de organização social, minimamente permanente e estável, denota a imaturidade de uma coletividade, de uma sociedade. A polarização e radicalização de alas mostram uma comunidade que não atingiu a sua identidade e o equilíbrio. Este último, decorrente de uma perspectiva que considera as metas e objetivos em longo prazo. Uma das pragas da América Latina é o populismo. Vezo exercido por direitistas e esquerdistas. E o populismo se faz amarrar ao imediatismo. De lamentar mesmo, tão pouca prática, tamanha crueza. Os chilenos que hoje usam fraldas, quando adultos, olharão para o passado e dirão a si mesmos: “que pena, nossos pais e avós não conseguiam elevar o olhar para além do aqui e agora”. Se a URSS fez em 30 anos o que a Europa fez em 100, não percamos de vista os princípios da economia planificada, assentada no ciclo mínimo correspondente a um quinquênio. Questão de economia, com certeza, mas, ao mesmo tempo, muito além dela. Luz!