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O distante bem perto

Passeando pelos sítios de notícia, visito o Evolução, do jornalista Pedro Skiba, e vejo ali matéria sobre queda de natalidade no Japão. Especialista alertava que a “síndrome do celibato”, isto é, a dificuldade dos jovens japoneses de ingressarem em relacionamentos afetivos, projetará uma retração para a referida economia asiática. A geração dos novos adultos tem […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

Passeando pelos sítios de notícia, visito o Evolução, do jornalista Pedro Skiba, e vejo ali matéria sobre queda de natalidade no Japão. Especialista alertava que a “síndrome do celibato”, isto é, a dificuldade dos jovens japoneses de ingressarem em relacionamentos afetivos, projetará uma retração para a referida economia asiática. A geração dos novos adultos tem priorizado a ascensão na carreira profissional e o cultivo de hobbies. Entretanto, os remanescentes que ainda decidem casar-se e constituir família, demonstram melhor performance em aumentar o próprio patrimônio. O casamento e a prole, consciente ou inconscientemente, são os elementos de motivação que permitem ao sujeito alavancar os próprios potenciais. É natural que a relação matrimonial inicie com aquele entusiasmo que caracteriza quem está iniciando um projeto importante. A vontade de agradar e conquistar o outro se traduz em proficiência. Todavia, quando para além das relações de afeto e dos contatos físicos, aos poucos, a ordem de prioridade vai se deslocando da cara-metade para o (a) filho (a) ou filhos (as), o teleologismo do esforço compreende que os descendentes, que pusemos no mundo, haverão de ser o melhor de nós mesmos, passado o bastão do protagonismo pessoal. O que o Japão vive hoje, viveremos amanhã. As condicionalidades são as mesmas, basicamente: os equipamentos eletrônicos nos deixaram aquartelados, e o custo de um ser humano, do pré-natal à formatura, só se expande. Levamos em consideração tudo isto. Deveras, não é cômodo constituir família e fazer com que ela atenda a todos os seus propósitos. Entretanto, se fosse fácil, não seria compensador. O mercado de trabalho, contando com tantos ávidos candidatos a uma vaga, pode se dar o luxo de estabelecer critérios de exigência olímpicos. E essa busca acirrada por um cargo se traduz logo na formação inicial: as boas universidades antepõem aos seus cursos os mais desafiantes vestibulares. E essa inteligência, que vem sendo trabalhada desde a educação infantil, logra alcançar a meta para a qual fora preparada, tendo desaprendido, por outro lado, conviver com outro ser humano, em que o que realmente importa é, pasme-se, a simplicidade. No fundo, tudo isto mostra que o mesmo indivíduo tem de desempenhar papéis diferentes, segundo o ambiente em que se encontra. Ninguém vai à praia de terno e gravata, assim como um traje esportivo não orna com a solenidade de uma audiência judicial. Essa conjuntura também aponta para a conveniência e necessidade, de se trabalhar na grade curricular escolar, conteúdos não estritamente didáticos, senão ainda, habilidades sociais, psicológicas, comportamentais. Estamos, em nível global, perdendo aquela característica que fez de nós a espécie mais bem-sucedida do planeta, a sociabilidade, a cooperação, o agir grupal. O eu e o outro, ou o eu no outro, enfim, o valorizar mais o meio, a convivência, do que o fim, nossos objetivos pessoais, faz com que, ao término de nossos ciclos, saiamos mais vitoriosos do que se estivéssemos sós. O que todos os seres humanos devemos fazer é isto: recuperar o aspecto gregário. O Oriente, em contraposição ao Ocidente, é caracterizado pelo predomínio dos valores coletivos e familiares, em prejuízo do individual. Porém, como a aldeia global fez do Japão e outros tigres asiáticos apenas mais um ator no cenário planetário, nossos irmãos de olhos puxados embarcaram no individualismo, em função do que a civilização perde seu mais magnífico fundamento, a pessoa humana em interação. Nesses dias, em que completei 44 anos de vida, sendo pai de um garoto que vivenciou a última quarta parte do que eu vivi, percebo que a matéria-prima de nossa vida são nossos relacionamentos, o (s) filho (s) dado (s) por Deus, os colegas e amigos, que temos e fazemos, nos locais onde desenvolvemos nossas atividades. Bem menos do que sacrificar nossas ambições individuais, o que interessa é valorar o partilhamento raro e valioso de espaço-tempo. Ter um tempo de máxima qualidade, praticar uma escuta ativa, aquela que se vincula à dicção de nosso ladeante. Não se coloca uma lâmpada debaixo de uma vasilha. Luz!