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O fenômeno LGBTQIA+ à luz da ciência

não excluir, não deplorar, não agredir, mas compreender

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

Émile Durkheim, um dos fundadores da sociologia, escreveu uma obra intitulada O Suicídio. Nela, ele procura identificar fatores objetivos que induzem um cidadão a esta tomada de decisão tão drástica. Ao passo que o senso comum tende a estereotipar uma situação como essa, apelando para uma espécie de fracasso moral, decadência espiritual ou fraqueza psíquica, bem outra é a abordagem do mencionado cientista social francês. Durkheim trabalha com estatística, tendo como unidade de tempo o ciclo de um ano, e correlaciona o aumento ou queda de casos com eventos estruturais. Karl Marx, por sua vez, escreveu uma obra com o mesmíssimo título, e defendeu uma ideia parecida, embora sua visão seja mais economicista, demonstrando como as agruras econômicas do capitalismo encadeiam a superveniência de ocorrências dessa natureza. Auguste Comte explicou o nascimento das ciências de acordo com um arranjo em que as disciplinas mais novas vão derivando das mais antigas, em que as primeiras são mais genéricas e simples, e as últimas, mais específicas e complexas. É assim que se perfectibiliza a sequência matemática, física, astronomia, química, biologia e sociologia, que ele chama de “física social”. Coloco esta informação aqui para preparar o amável leitor para o conceito de reducionismo, tão empregado em epistemologia. De acordo com essa definição, cada objeto de estudo deve ser contemplado com uma disciplina própria. É assim que, por exemplo, os movimentos sociais não podem ser explicados pela biologia, ou exclusivamente por ela, pois a sociologia existe para este propósito, reafirmando a existência de um conjunto de fenômenos que não pode ser plenamente abarcado senão por um saber que se renda à verdade de que o todo é mais que a mera soma das partes. Para um conjunto de fenômenos autônomo, uma disciplina respectivamente autônoma. Malgrado esse reconhecimento, da independência de uma disciplina como a sociologia, devo ponderar que, se sofro um acidente de ordem física, fico impedido de trabalhar, por mais que eu não seja apenas um corpo. Da mesma maneira, a biologia afeta a sociedade. Somos mais do que um organismo, mas continuamos sendo um organismo. A propósito, como espécie, somos um tremendo sucesso. Mas esse sucesso se assemelha a uma colônia bacteriana, dependente de uma substância orgânica posta sobre um vidro de relógio, alimento que lhe permite se reproduzir numa velocidade exponencial. Justamente no momento em que a colônia atinge o maior número de indivíduos, numa aparente demonstração de vitória evolutiva, esgota-se o recurso alimentar responsável pelo seu sucesso reprodutivo. Faço uma analogia entre as bactérias e o vidro, comparando-os à humanidade e ao planeta terra. Em 2050 seremos 10 bilhões de indivíduos. O planeta é finito, como finitos são os seus recursos. Logo, a expansão de padrões de orientação sexual diferentes do tradicional reflete uma estratégia biológica da espécie, que está se dando conta de que, para continuar existindo, o mais conveniente é pôr o pé no freio neste momento. Bem sabemos que os antigos romanos eram dados ao vinho e à luxúria. Em certa fase da história de Roma, se um casal composto por pessoas de sexos diferentes fosse flagrado de mãos dadas, em público, era vaiado. Essa informação é ressignificada pelo fato de sabermos que Roma foi a primeira cidade do mundo a atingir o patamar de um milhão de habitantes. Quero dizer que a normalização da homossexualidade e a redução da taxa mundial de natalidade são expressões de um mesmo movimento de fundo, a verdade primordial de que existem barreiras lógicas e ontológicas à reprodução de uma espécie, seja ela qual for, trate-se de vida inteligente ou não inteligente. Numa mesma população animal, ora pode-se verificar o canibalismo dos pais em relação às crias, com o fim de conter o excesso de população, ora alguns indivíduos podem trocar de sexo, para facilitar a reposição de indivíduos, com o intuito de preservar a variabilidade genética, fortemente vinculada ao tamanho do bando ou cardume. Tudo isto sinaliza para a necessidade de compreendermos fenômenos sociais a partir de um viés de racionalidade, dispensando como inúteis abordagens que rotulam e estigmatizam as pessoas abarcadas pelo mecanismo de autopreservação da espécie. Lembrando que todos esses processos ocorrem inconscientemente, o que vem a ser mais uma razão para desclassificar comentários preconceituosos. A preocupação que norteia o trabalho do sociólogo consiste em explicar o porquê da adoção de novos comportamentos por parte dos atores sociais.