O ingresso na terceira idade e a síndrome do estrangeiro
Ab initio, esclareço que o presente artigo não visa desmerecer o público idoso ou promover qualquer tipo de etarismo. Do contrário, o redator foi e é membro do Conselho Municipal do Idoso por sucessivos exercícios, em função do que labora para os interesses do contingente albergado dentro da respectiva categoria. No entanto, reputo ser a […]
Por Israel Minikovsky 14 min de leitura
Ab initio, esclareço que o presente artigo não visa desmerecer o público idoso ou promover qualquer tipo de etarismo. Do contrário, o redator foi e é membro do Conselho Municipal do Idoso por sucessivos exercícios, em função do que labora para os interesses do contingente albergado dentro da respectiva categoria. No entanto, reputo ser a linguagem tema da maior relevância, pelo que me ponho a consignar aqui as observações (ou audiências) que presenciei. Quando eu era uma criança pequena prestava atenção nos falares das pessoas idosas, meus avós e outras pessoas da mesma época, e percebia o marcado sotaque (de alemão, de polaco, de italiano). E por que seu português era tão carregado? Simples: seu vernáculo era outro, que não a língua portuguesa. Essas pessoas tinham o português enviesado porque desde o berço foram iniciadas num idioma que não o corrente no Brasil. Em resumo: o sotaque da velhice era o mesmo da infância. Todavia, a geração que sucedeu esta a que me referi agora a pouco, em muitas das vezes, foi criada dentro de um novo contexto, tendo o português como língua nativa. Isso se deu porque seus pais tiveram a percepção de que um outro idioma, além do português, não era um diferencial em termos profissionais, do contrário, mostrava-se como entrave, refiro-me a ter que fazer imersão na cultura do nosso próprio país, cuja língua oficial, como sabemos, é o português. O curioso disso tudo, é que essas pessoas que não aprenderam mais de meia dúzia de palavras do idioma de seus pais, não falam exatamente como o brasileiro mediano fala. Entretanto, o mais marcante de tudo, e era a esta pontuação que eu queria chegar, é o que segue: pessoas que nunca falaram com sotaque estrangeiro, ao baterem às portas da terceira idade, adotam um jeito novo de falar, parecido com aquele padrão de opa, oma, nono, nona, dziadek, babcia. Isto porque eles aprenderam que ser idoso é ter um modo próprio de viver, com características peculiares, entre as quais se encontra uma fonética sui generis. Não é exatamente uma crítica, apenas uma ressalva, considero extemporânea essa repristinação do sotaque. Porque agora há um jeito novo de ser idoso. A terceira idade sempre precisa se reinventar. Os idosos do passado não contavam com as possibilidades que temos nesses dias. Refiro-me a um leque de condições, entre as quais se acha a inteligência artificial. O sotaque carregado liga-se a uma ideia de obsolescência e esclerosamento, a algo hostil à mudança. Porém, o diferencial de ser terceira idade no século vinte e um consiste precisamente nisto: a aprendizagem contínua, as pessoas podem abrir novas janelas existenciais no tempo presente, nenhuma porta está definitivamente fechada. Ninguém tem de sentir vergonha de suas origens, ao invés disso, cada um deve honrar as memórias da sua família. Sem embargo, melhor do que imolar a língua portuguesa com os influxos de vieses linguísticos externos, bem melhor seria falar o português castiço com sotaque brasileiro e, daí sim, dominar efetivamente um segundo idioma, com a maior proficiência. Hoje, em nosso mundo intensamente globalizado, ir além do idioma nativo é um excelente diferencial no mercado de trabalho. Para quem pretende investir em estudo, então, nem se fale. Temos todas as facilidades para nos matricularmos em cursos ofertados por universidades estrangeiras. A gerontologia ensina que uma terceira idade de qualidade envolve atividades físicas, intelectuais e sociais. Nenhum dos três fatores pode ser sonegado. Por conseguinte, a aprendizagem de um novo idioma, por sugestão o de sua própria etnia, calha bem como desejável exercício mental. Afinal, diferente do que falava seu Samuel Blaustein, “é melhor zerro na nota do que prrejuízo na polsa”, estudar é muito bom, “curra a depresson da gente”. Luz!