O uso de IA e a produção de trabalhos acadêmicos
No vestibular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), do dia 12 de janeiro de 2025, a proposta de redação tinha como mote o título que encabeça o presente artigo. O assunto é contemporâneo, até futurista, em alguma medida, e da maior relevância. Pois bem, toda inteligência, natural ou artificial, pode ser usada para fins […]
Por Israel Minikovsky 17 min de leitura
No vestibular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), do dia 12 de janeiro de 2025, a proposta de redação tinha como mote o título que encabeça o presente artigo. O assunto é contemporâneo, até futurista, em alguma medida, e da maior relevância. Pois bem, toda inteligência, natural ou artificial, pode ser usada para fins legítimos ou ilegítimos. A questão, portanto, diz respeito ao critério de legitimação. O que é a universidade e para que ela existe? Enfrentadas estas indagações, poderemos falar de trabalhos acadêmicos e do modo ideal como eles podem e devem ser elaborados. A universidade é uma unidade de ensino superior que procura formar profissionais de excelência e cidadãos capazes de colaborar com a sociedade e com a democracia. Para tanto, convencionou-se que ela deve atender a um tripé principiológico, seja ele, ensino, pesquisa e extensão. O ensino começa já lá na educação infantil, ainda que modestamente, ou para usar uma metáfora, ainda que “engatinhando”. A pesquisa, por sua vez, sinaliza para o anseio de não só reproduzir e partilhar o conhecimento científico consolidado, porém, continuar agregando novas descobertas ao acervo antecedente. A pesquisa tem dois campos fecundos, o mundo empírico e a vasta bibliografia armazenada em suportes físicos ou virtuais. Não por acaso, no primeiro ano de faculdade, qualquer que seja o curso, temos de enfrentar a disciplina de metodologia científica. A pós-graduação strictu sensu, leia-se, mestrado, doutorado e pós-doutorado, é pura pesquisa. Nada mais oportuno do que o critério de elaboração de monografia, agora apelidada de Trabalho de Conclusão de Curso, ao fim da graduação. Não sairá uma joia, tudo bem. No entanto, mesmo que essa fatigante incumbência assuma um aspecto rocambolesco, ela será um divisor de águas. Para quem passou por múltiplas graduações é muito fácil escrever um texto neste formato. Todavia, insisto na valia deste desafio para os novatos. Por fim, há a exigência da extensão. A universidade precisa ofertar um retorno mínimo à comunidade ou à sociedade. O conhecimento tem de ser um facilitador da consumação de metas e uma atividade que abrace as necessidades reais dos indivíduos concretos. Portanto, a confecção de trabalhos acadêmicos precisa ajustar-se não só a uma rígida instrumentalidade de procedimentos, senão mais que isso, deve radicar-se no âmbito fenomênico onde se verificam os impasses a serem resolvidos. Qualquer coisa que façamos em nossa vida, e isto se aplica à produção de trabalhos acadêmicos, ingressa no rol de excelência mediante o treino reiterado. Digo isto, ponderando que a inteligência artificial entrega as coisas já bastante processadas, ciente do risco de que o estudante se prive da oportunidade de ser o autor de suas próprias produções acadêmicas. A partir do viés que a inteligência artificial foi concebida, não resta a menor dúvida de que ela agiliza os muitos fazeres das mais diversas áreas de estudo e trabalho. A discussão, destarte, não é esta. A inteligência artificial colocará no mercado de trabalho profissionais mais eficientes e resolutivos, naquelas demandas em que forem requisitados. É preciso, entrementes, que se esclareça, aos ingressantes da universidade, acerca do perigo de delegar às máquinas aquelas atividades cujo escopo consiste, exatamente, na formação de uma cabeça de obra crítica e pensante. A tecnologia tem de ser um apoio, e não um sucedâneo do nosso protagonismo. O trabalho acadêmico encontra sua razão de ser no esforço que ele implica ao seu realizador. Por conseguinte, um trabalho bem avaliado, que emplacou nota de brio no boletim, sem o respectivo sacrifício, é, no mínimo, uma fraude. O tema de redação é provocativo, no sentido de cobrar do vestibulando uma postura ética. Uma inteligência desatrelada da ética é inservível e perigosa. Leitura atenta, raciocínio lógico, interpretação, espírito crítico, disciplina, curiosidade dirigida, observação meticulosa, força de vontade e criatividade, são requisitos de que não podemos abrir mão na formação de profissionais socialmente estratégicos. Cientes disso, fiquemos cingidos do zelo de não anular o desenvolvimento de nossas próprias habilidades, compreendendo que a inteligência artificial é mais um arrimo, mais um recurso de conversão à prestação de um serviço de qualidade à população, para quem trabalharemos. É significativo que, um aspirante a uma vaga em curso superior de universidade, seja instado a produzir um texto a respeito de inteligência artificial, sem que possa, no mesmo momento, servir-se dela para tal demonstração de competência linguística, comunicativa e pensamental. Como diria Tomás de Aquino, “quem pode o mais, pode o menos”. Luz!