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Os muitos aniversários de 2024

Em dezembro de 2023, completaram-se duzentos anos da Doutrina Monroe. James Monroe (1758-1831), que foi presidente e um dos principais fundadores dos Estados Unidos da América, declarou que não interviria no continente europeu, caso irrompesse uma guerra por lá, entretanto, nenhuma potência europeia poderia intervir nas Américas. O documento nasceu numa época de muitas independências, […]

Por Israel Minikovsky 24 min de leitura

Em dezembro de 2023, completaram-se duzentos anos da Doutrina Monroe. James Monroe (1758-1831), que foi presidente e um dos principais fundadores dos Estados Unidos da América, declarou que não interviria no continente europeu, caso irrompesse uma guerra por lá, entretanto, nenhuma potência europeia poderia intervir nas Américas. O documento nasceu numa época de muitas independências, e o recado era mais específico para França, Espanha e Portugal. Isso colocaria os ianques como a liderança no continente americano, enquanto ainda não era chegada a ocasião do domínio global. Mas 2024, semelhantemente, marcam os duzentos anos da primeira Constituição brasileira. Dom Pedro I, querendo adiantar-se em relação ao curso da história, arquitetou uma monarquia constitucional, dando a entender que a revolução republicana seria desnecessária. Todavia, logo ficou claro que a primeira Carta Magna da nação, era mais um verniz, do que uma mudança profunda, dado que o poder continuava concentrado nas mãos do soberano. O Brasil só teria uma Constituição Federal, verdadeiramente democrática, em 05 de outubro de 1988. O avanço da nossa primeira Constituição consistiu em se afastar do personalismo do exercício do poder, transferindo essa carga ao mencionado Diploma Jurídico. É de se constar que, neste momento, não houve promulgação do texto, mas outorga. Em 2024 tivemos os sessenta anos do golpe militar. Passado tanto tempo, ainda há alguns dias, a USP concedeu diploma honorífico a estudantes do curso de psicologia, assassinados pela ditadura. A característica comum às ditaduras é o ódio pelo exercício de pensar. Só os idosos têm histórias para contar a respeito de ocorrências inusitadas desta época, e, para ser bem sincero, no momento presente, o que se sabe a respeito do referido período é extraído mais dos livros do que de testemunhas oculares. O ano de 2024 marca o meio século da Revolução dos Cravos. Quem nos dera poder mudar o mundo pelo aroma de uma flor, no lugar da pólvora que se queima na deflagração de cápsulas. Passados dez anos da reviravolta na política portuguesa, é a vez dos falantes de língua portuguesa do outro lado do Atlântico lutarem pelo restabelecimento da democracia. A mobilização popular pela democracia, em 1984, ficou conhecida como “Diretas Já”! Isto porque, durante o regime militar, as pessoas não votavam diretamente no candidato que viria a ser o exercente do Poder Executivo, mas em delegados, estes sim, escolhendo o titular. Ocorre que não havia garantias de que o delegado votaria naquela pessoa por quem, em princípio, externava estima, dado que o seu voto era secreto. Há trinta anos, ou seja, em 1994, tivemos o fim do Apartheid na África do Sul, sob a afluência de Nelson Mandela. O novo paradigma de tratamento inter-racial continua verberando até os nossos dias. No Brasil temos um Ministério da Igualdade Racial, e o 20 de novembro, dia da consciência negra, que já era feriado em alguns lugares, e ponto facultativo em outros, agora será feriado nacional. 1994 também perfaz trinta anos do Dia Internacional dos Povos Indígenas. Os indígenas, apesar de autóctones, têm menos visibilidade do que o elemento africano, justamente porque vivem em área de floresta, não se adaptam ao trabalho executado nos moldes do caucasiano, e não abrem mão da sua independência por nada. Recentemente eles têm passado por um forte movimento de culturalização, não generalizado, mas em suas lideranças, o que proporciona a sustentação de um discurso ideológico e a articulação política. 2024 também entrou para a história como o ano em que o G 20 se reuniu no Rio de Janeiro, nos dias 18 e 19, para formular propostas em prol do Combate à fome, pobreza e desigualdade. Assim caminha a humanidade: da preocupação exclusiva em monopolizar o poder, ao entendimento de que, se não focarmos em meio ambiente e bem-estar humano, todos pereceremos, independente de classe social, origem, etnia, e por aí afora. Quando chega o fim de ano, a mídia faz uma espécie de retrospectiva de todos os fatos, políticos, econômicos, militares, culturais, esportivos, religiosos, científicos, que marcaram o ano. Esse tipo de recuperação de memórias é muito positivo. Chegado o fim de ano, é bastante frequente que lembremos daquelas pessoas que nos deixaram. Essas partidas são uma rememoração de nossa própria provisoriedade. Um dia, também nós, teremos de partir. Entrementes, lancei um olhar para trás um pouco mais longo, justamente porque faz bem mais de um ano, que estamos aqui, como civilização. Precisamos ver no que avançamos, no que ainda precisamos avançar, qual o preço que pagamos, qual o preço a pagar. Qual a lição que 2024 reservará às próximas gerações? Quem nutre a pretensão de ensinar a outrem, em primeiro lugar, deve colocar-se na posição de quem está ávido por saber. Estes últimos anos têm mostrado o quão relevante é a democracia, bem como sua fragilidade. A democracia afere o nível de civilidade de uma coletividade. Avanço é sempre isto: o modo como tratamos a nós mesmos, os humanos. O respeito ao outro e a assunção de responsabilidade são os dois primeiros passos rumo ao desenvolvimento. Estes últimos anos também nos exibiram o potencial de uma bomba biológica. Muitos dos que não morreram pelo Covid, ainda agora, padecem malefícios da passagem desse fenômeno viral. 2024 foi, outrossim, o ano de manifestações climáticas extremas, o que foi sentido também em nosso país, e as enchentes assolaram o povo gaúcho, como não ocorria desde 1941. Crescimento econômico desuniforme, inovação tecnológica, mudança de matriz energética, inversão da pirâmide demográfica, são alguns dos muitos motivos que fizeram de 2024 um período marcado por reajustes na geopolítica, tendência que sinaliza manter-se pelos próximos anos. Paradoxalmente, quanto mais avança o processo de globalização, mais relevante se torna o âmbito local. Aqui em nossa pequena São Bento do Sul, nas eleições municipais de 2020, elegemos, pela primeira vez, a terceira força política. E em 2024 reconduzimos Antonio Joaquim Tomazini Filho ao Executivo Municipal. Da mesma maneira que um magistrado, vendo ter acertado na concessão da tutela liminar, ali na própria decisão interlocutória, reafirma em prolação de sentença o que já dissera anteriormente. Não percamos de vista o passado. “Quem esquece o passado está condenado a repeti-lo”, dizia o filósofo George Santayana. 2024 foi sofrido, mas foi luz!