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Para a IA eu sou gay

Num dia destes, eu navegava na rede, através do celular, na palma da minha mão. Lá pelas tantas, apareceu uma matéria com a imagem de quatro perfis faciais de homens. A mesma matéria convidava a entrar no link e descobrir o que a escolha por um dos ícones, em detrimento dos demais, revelaria sobre o […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

Num dia destes, eu navegava na rede, através do celular, na palma da minha mão. Lá pelas tantas, apareceu uma matéria com a imagem de quatro perfis faciais de homens. A mesma matéria convidava a entrar no link e descobrir o que a escolha por um dos ícones, em detrimento dos demais, revelaria sobre o optante. Eu acessei o conteúdo por nutrir especial estima em relação a conteúdos próprios da psicologia, ainda que eu não tenha realizado graduação nesta área, até o presente momento. Eu imaginava que o texto revelaria muito sobre a psiquê feminina. Qualquer uma das opções externaria alguma espécie de conexão entre traços faciais e a personalidade masculina entronizada naquele manequim. Mais que isso: consciente ou inconscientemente, as mulheres elegeriam o homem perfeito ou mais bonito aquele pertencente a um determinado perfil, não só por questões estritamente estéticas, mas pelo gênio que acompanha um homem que tem um determinado formato de rosto. Pressupus estes postulados, ainda que tenham jogado a pá de terra em cima da tal frenologia, uma ciência que cativou a muitos aquando do seu nascimento, mas que foi descartada, sobretudo depois do resultado da Segunda Guerra Mundial. Comecei a ler o perfil um: você é muito ansioso e trabalhador e busca um companheiro assim e assado. Perfil dois: você é organizado, porém precipitado, e busca um companheiro com essas qualidades. Perfil três: você é criativo e extrovertido e quer um companheiro que… blá-blá-blá. Perfil quatro: você é estudioso e sabe o que quer, e bem por isso, o seu companheiro terá esses traços… Note que 1) os adjetivos estão no gênero masculino, para referir-se a ambos os polos, do buscador e do buscado, e 2) algum algoritmo identificou que eu estava tendo acesso à rede a partir de um celular cujo nome do titular ou possuidor sugere o gênero masculino. Esta circunstância induziu a inteligência artificial a supor que eu era um homem em busca de outro homem, e não um homem interessado em compreender o dinamismo da psiquê feminina, por quem, de fato, sinto atração. Para além do fato jocoso do episódio, a situação denuncia as limitações da inteligência artificial e o quanto é perigoso dar crédito a ela. A inteligência artificial tem sido largamente usada, na atualidade, sobretudo para quem trabalha com informação e redação de textos. É recomendável ler com atenção e rever tudo o que essa inteligência disponibiliza, pois não assiste a essas tecnologias alguns critérios de crítica, indispensáveis para os seus destinatários, os seres humanos. Temos a prerrogativa de nos colocar no lugar de quem será o recebedor final da informação. Ninguém melhor que nós, humanos, alcança o parâmetro da aceitabilidade e plausibilidade. Somos detentores de um feeling ainda não alcançável pela inteligência artificial. Um padre virtual, em fase de teste, concebido para tirar dúvidas de fé a praticantes da fé católica, teve que ser retirado da rede. O motivo? Ele lecionou que, em situação de difícil acesso à água, seria permitido batizar alguém com Gatorade. Recentemente, os Estados Unidos da América pediram à Rússia e à China que não usem inteligência artificial para controlar armas nucleares. Desde que existo, e que acompanho falas de autoridades norte-americanas, essa última fala se configura como a campeã em matéria de lucidez. Se as armas nucleares podem pôr fim à humanidade, e se a inteligência artificial é imprevisível, não é bom negócio conferir-lhe tão exaltada responsabilidade. Por meio da filosofia a inteligência humana conseguiu desenvolver uma disciplina chamada ética, um ambiente noético onde se encontram e se entrelaçam o raciocínio lógico e as emoções positivas, que acabam convergindo para aquilo que chamamos de valores. A inteligência artificial até pode ser programada para reproduzir padrões considerados éticos. Mas ela não raciocina eticamente. Em suma, procede o requerimento dos estadunidenses: enquanto Alexa e companhia limitada não conseguirem compreender que focinho de porco não é tomada, acautelemo-nos para não delegarmos o que não pode ser delegado. As máquinas podem muito, mas não podem tudo. Luz!