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Psicologia e Religião

“Tenho Deus comigo, não preciso de psicólogo”

Por Israel Minikovsky 17 min de leitura

Quando um atleta afirma algo mais ou menos assim: “Tenho Deus comigo, não preciso de psicólogo”, insinua uma espécie de desvalia da psicologia. Boa parte dos muitos vieses da psicologia parte da premissa materialista, às vezes meramente metodológica, às vezes confessadamente metafísica. A autonomia epistêmica de teorias psicológicas desemboca no conflito teórico e prático entre religião e terapias. E a reivindicação de exclusivismo parte dos dois lados. Interpretações religiosas de textos sagrados, presas à literalidade das suas proposições, não comporta o concurso de outros discursos de referência. As religiões e as correntes da psicologia partem de fundamentos, pressupostos e valores diferentes. A psicologia busca mais a compreensão, enquanto a religião é orientada para aspectos de normatividade. O analista busca entender quem é seu paciente, a religião dita como o ser humano ideal deve ser. Ainda que no plano teórico seja difícil, ou mesmo impossível, conciliar os conceitos e categorias num plano harmônico, essa discordância não impede que, por exemplo, um ministro de confissão religiosa, que atende pessoas em nível de aconselhamento, lance mão de ferramentas científicas de intervenção, em prol desse indivíduo experimentando algum tipo de drama. Mais importante do que o alinhamento teórico, é o que o instrumental de doutrinas pode ofertar na relação terapeuta e paciente. A integração do globo traz consigo o imperativo categórico consistente na aceitação e prática da pluralidade, da diversidade, do multiculturalismo. E esse respeito recíproco deve iniciar-se já no plano pensamental. Quem se diz religioso e defenestra tudo o que extrapola o texto do seu próprio credo, é promotor da intolerância, e não do amor e da paz. Em contrapartida, é muita pretensão da parte de cultores das ciências, pretender que, com a inauguração do saber científico, todos os demais saberes sejam alijados de nossa bagagem cultural. Quando o que está em jogo é o bem da saúde de nosso corpo, não hesitamos praticar técnicas não tradicionais, se o que se tem em vista é o restabelecimento do momento anterior. Com efeito, por que abriríamos mão de um paradigma de intervenção, simplesmente porque seu status não se acha dentro das medidas tidas como oficiais, em sendo a demandante a nossa alma ou psiquê? O ser humano é essencialmente religioso e a academia não pode ignorar este fato. E ninguém tem o direito de arvorar-se dono da verdade, impedindo que seus quejandos frequentem serviços públicos e profissionais credenciados pelo Estado. A inimizade entre religião e psicologia nada mais é do que uma indisposição que sempre e necessariamente terá como clímax o prejuízo para quem já não está nas melhores condições. É uma batalha sem vencedores, todos saem perdendo. Parece-me bastante razoável que uma religião que ensina o amor ao próximo, recepcione e renda-se ao discurso de acordo com o qual o amor primeiro é devido a si mesmo. Sim, pois está escrito “ame o outro como a si mesmo”. Como hei de amar o meu vizinho, se nem mesmo estimo meu próprio eu? Se a pessoa frequenta uma denominação religiosa que rechaça a intervenção terapêutica e o divã do analista, o qual, por sua vez, mostra-se displicente com a dimensão metafísica da existência humana, é provável que ela se sinta cindida. Ora, a pessoa busca, em linhas gerais, a religião e a terapia com o mesmo intuito, vedar as “rachaduras de sua alma”, para usar uma expressão de Fídias Teles. Por conseguinte, assim como numa ação judicial de guarda os pais não devem puxar a criança pelos braços, a ponto de esticá-la, o mesmo se aplica ao correligionário-paciente. A pessoa entra na igreja levando consigo a experiência do consultório, e entra no consultório sem se desfazer da prédica do púlpito. Os valores da fé, da caridade, do amor, do perdão, da esperança, são as diretrizes daqueles que peregrinam nesta vida terrena. Todavia, a psicologia é capaz de indicar maneiras mais concretas de realizar todos estes ideais. O valor da castidade, por exemplo, fica mais claro quando o paciente expõe ao terapeuta sua sexualidade, único lugar certo e competente o bastante para tratar dessa demanda de foro íntimo. A confissão é importante, mas o arrependimento dos próprios erros não abrange todas as angústias que agitam nossa alma. A psicologia conta com um suporte teórico não encontradiço, ao menos diretamente, na Bíblia, na filosofia e na teologia. Então, toda contribuição ao bem-estar da pessoa humana deve ser bem-vinda, ela que colima vida em abundância e, na medida do possível, de máxima qualidade. Psicologia é luz!