Quando a intervenção estatal na atividade econômica é imprescindível
Quando a realidade se impõe... Ela, a base sobre a qual se edifica todo sistema de pensamento!
Por Cleverson Israel 18 min de leitura

A instrumentalização da religião chegou a níveis exorbitantes. Alguns acadêmicos têm usado o termo “narcopentecostalismo” na disciplina de sociologia da religião, “narco”, de “narcóticos”. De fato, no cume do morro mais alto, de algumas favelas, é possível visualizar uma bandeira do Estado de Israel. O dinheiro do tráfico carece ser legalizado, ou, como se diz, “lavado” para, então, ser usufruído e ostentado. E o CNPJ de igrejas evangélicas tem sido usado como artifício desta manobra. A denominação recebe importâncias, sob a rubrica de doação, e repassa o maior valor ao próprio doador, retendo uma fração para si, a título de compensação, pelo uso da estrutura contábil da entidade. Em nome dessa comodidade para os traficantes, pessoas de fé católica vêm sendo impedidas de praticar sua religião. Igrejas são fechadas, fiéis são perseguidos. Defensor do Texto Constitucional, advogo que todos os cidadãos sejam livres para terem religião ou não, sejam livres para serem não-cristãos ou cristãos, e, em optando pelo cristianismo, sejam livres para abraçar consciente e espontaneamente a modalidade de cristianismo que mais lhe oferte sentido existencial. Reparemos que o tráfico na periferia invade dois âmbitos constitucionalmente sagrados: a consciência ou foro íntimo pensamental dos seres humanos, e a livre-iniciativa econômica. Do mesmo modo que não posso ser constrangido a realizar compras na quitanda “a”, para não fazê-lo na quitanda “b”, não sou obrigado a depositar o dízimo na igreja “x”, preterindo, contra o exercício da minha vontade e consciência, a igreja “y”. No entanto, o crime organizado, mais preocupado em enriquecer ilicitamente do que em promover o caos social, tem diversificado suas atividades financeiras. Dizem alguns, a internet já está rendendo mais do que o tráfico (de drogas). Os traficantes danificam a fiação de internet no poste, os usuários abrem um chamado, e a assistência da empresa vai lá efetuar o reparo. Em lá chegando, os técnicos são impedidos de fazer o reparo, ou fazem o reparo e, logo na sequência, em poucos instantes, o aparato é novamente avariado. Diante dessa arbitrariedade, os moradores se veem forçados a contratar serviços de internet de propriedade de criminosos. Essas empresas, entrementes, cobram mensalidades muito acima do valor de mercado e o serviço é de péssima qualidade. Cai a conexão ou ela é lenta. Veja-se que o intuito era limitar o número de usuários de uma determinada empresa, para haver concorrência entre elas, e baratear o custo para o consumidor final. Mas o tiro saiu pela culatra. O legislador quis fazer um beija-flor e saiu um morcego. O legislador não contava com essa ingerência do crime organizado em face do mercado. Solução? A solução é a intervenção estatal. Uma das razões do próprio existir do Estado é o acúmulo de poder não uniforme entre os cidadãos. Comunidades inteiras de milhares de pessoas estão sob os mandos e desmandos do tráfico. O Estado deve promover iniciativas que concorram para a isonomia e paritariedade entre habitantes do ecúmeno. As pessoas estão passando por severas restrições no seu legítimo direito de opção de aquisição de serviços, e no seu legítimo direito de frequência a agremiações eclesiásticas, que condigam com seu entendimento de espiritualidade. A violação do foro íntimo da consciência, e o desrespeito à liberdade de contratar com agentes econômicos de sua preferência, são duas aberrações que colidem com o princípio da autonomia e do protagonismo dos seres humanos, os que vivem e merecem viver numa sociedade democrática, livre, justa e solidária. O Estado não pode mais tolerar esse tipo de situação. O crime organizado está ditando as regras e, nessa qualidade, já é um Estado paralelo. O crime organizado também é uma organização paramilitar, o que, outrossim, esbarra em vedação constitucional. O mesmo Estado que empodera a violência policial e alveja corpos negros, é o que faz vista grossa, e deixa a ilegalidade ingressar na legalidade, numa mescla, numa verdadeira simbiose. Não será matando ou encarcerando pessoas periféricas que o Estado “mostrará serviço”, do contrário, o que precisa ser feito é entregar a verdadeira justiça, proporcionar mecanismos de valorização do trabalho honesto. Como se vê, direito econômico tem a ver com direitos humanos, que tem a ver com políticas de segurança. O direito é um sistema, e só funciona como tal. Isto significa que qualquer interpretação reducionista do direito, ou qualquer teoria que defenda o minimalismo do Estado, levará a um agravamento de nossa condição social, que já é bastante sôfrega. Não há modo de produção econômico que resista a uma desordem dessa magnitude, seja ele capitalista ou não, e, por isso mesmo, urge que ajamos incontinenti.