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Relações Sociais por meio da Solidariedade

Na prova de vestibular aplicada pela FUVEST, no domingo, de 15 de dezembro de 2024, o tema para a redação foi este que, por ora, intitula o presente texto. Um contingente de 28 mil candidatos se submeteu ao crivo da proposta em apreço. A cooperação está presente na própria natureza. É assim que algas e […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

Na prova de vestibular aplicada pela FUVEST, no domingo, de 15 de dezembro de 2024, o tema para a redação foi este que, por ora, intitula o presente texto. Um contingente de 28 mil candidatos se submeteu ao crivo da proposta em apreço. A cooperação está presente na própria natureza. É assim que algas e fungos se unem para compor o líquen e assegurar a própria subsistência. Várias espécies de plantas se perpetuam por zoocoria, isto é, dispersão de frutos e sementes através de animais. O homo sapiens é a espécie mais bem-sucedida do planeta não só pela sua superior inteligência, senão também pelo exercício da solidariedade. A sociologia ensina que, independente de nossos propósitos pessoais, praticamos várias formas de solidariedade estrutural. O contribuinte deposita no erário verba que será vertida em estradas, saneamento básico, segurança, educação, assistência de saúde, etc. Não compro pão porque me preocupo com a família do padeiro, ainda que certamente eu contribua para a prosperidade do seu empreendimento. Só recebo salário mediante a contrapartida do uso produtivo do meu tempo em favor daquele que me emprega. Todavia, além de haver solidariedade inconsciente, no reino da natureza, e além de haver uma solidariedade não intencional, há um tipo de solidariedade atravessada pela consciente intencionalidade. Mais do que isso, uma solidariedade que não visa contrapartida ou retorno. Aqui entramos no campo da moralidade. O aprimoramento da inteligência se faz acompanhar por seu homólogo, na dimensão da eticidade. O bom agir é útil, e é, também, um imperativo racional. Immanuel Kant é o filósofo que melhor desenvolve essa ideia. As religiões em geral, e o cristianismo, de maneira mais enfática, recomendam e ordenam a prática da solidariedade. Na Modernidade o mundo ocidental passa por um processo de racionalização da vida, e a religião perde parte importante de seu prestígio. No entanto, novas éticas são propostas pelos filósofos. Nietzsche teria a audácia de se desfazer não só da metafísica, mais do que isso, propunha o abandono da própria moral cristã. Esse pensador alemão, de certo modo, foi mais coerente que seus pares, malgrado sua proposta se mostre visivelmente perigosa. A discussão não trata de precisarmos ou não de religião. Certo mesmo, é que, ainda que professemos diferentes religiões ou credos, não devemos e não podemos abrir mão da solidariedade. A solidariedade precisa integrar nossos mais profundos pensamentos. A solidariedade deve estar presente em nossa fala, em nossa linguagem. Nossa comunicação deve transmitir empatia, sensibilidade, preocupação com o bem-estar do interlocutor e altruísmo. Somos animais cívicos, políticos, sociais, gregários, enfim, muitas podem ser as traduções da ideia primordial de Aristóteles. Não por acaso, confluem os modos de pensar do maior intelectual pagão e do salvador do mundo, para quem até os inimigos merecem ser amados. Solidariedade é um tema clássico, uma coisa vetusta e, ao mesmo tempo, atual. As grandes crises das civilizações sempre se relacionam com disfuncionalidade do exercício da solidariedade. Solidariedade é coisa de que necessitamos com a mesma precisão de oxigênio, água, luz solar e alimento. Solidariedade é um valor social, um costume, algo que se adquire por cultura, isto é, algo ensinável como falar, escrever e calcular. O que a atividade física é para o corpo, a solidariedade é para o espírito. Todo aquele que pretende ser solidário passa pelo desconforto do desalojamento. Sair de si e voltar o olhar e a atenção para o outro é o que nos torna melhores. Conhecer o mundo passa por tornar-se ciente das necessidades alheias. Queiramos ou não, estabeleceremos sempre e necessariamente relações sociais. A solidariedade é o fator que tem o poder de ressignificar estas relações. Solidariedade é luz!