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Schopenhauer estaria certo?

Que os filósofos são autoridades dentro de sua própria área de abrangência, todos sabemos. Mas e quando eles resolvem opinar sobre assuntos que exorbitam suas atribuições? Diz-se que Schopenhauer tinha o hábito de verbalizar o aforismo “se gostas de salsichas e de leis, não procure saber como elas são feitas”. Ao menos dessa vez, não […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

Que os filósofos são autoridades dentro de sua própria área de abrangência, todos sabemos. Mas e quando eles resolvem opinar sobre assuntos que exorbitam suas atribuições? Diz-se que Schopenhauer tinha o hábito de verbalizar o aforismo “se gostas de salsichas e de leis, não procure saber como elas são feitas”. Ao menos dessa vez, não pretendo falar de leis. Mesmo sendo advogado, hoje ficarei com as salsichas. Na Ásia é costume consumir inseto. Aqui no Ocidente, nossa culinária não recepciona de bom grado semelhantes hábitos alimentares. Todavia, o senso científico, por definição incomum, não se rende ao senso comum. Pesquisadores da USP estão usando a mosca-soldado-negra como recurso nutricional. As larvas da voadora invertebrada são trituradas e convertidas em farinha. O produto é altamente proteico. Essa farinha entra como ingrediente em pães e salsichas. A novidade parece ser promissora. As fontes de proteínas de que nos servimos hoje são altamente onerosas para o meio ambiente. Os insetos exibem o poder de sucedâneo, a um custo ambiental muito menor. Do ponto de vista numérico, vemo-nos fartamente acompanhados por essas formas vitais e, desde que não envolvamos estes seres viventes na cadeia alimentar e na cadeia econômica, resta configurado grave desperdício destas possibilidades inexploradas. Uma vez integradas ao comércio de mantimentos, estas minúsculas animálias poderiam revolucionar o planeta, sobretudo em locais atingidos pela carestia alimentar. Os insetos têm um altíssimo poder de proliferação. Então, criá-los para nossos interesses, atenderia perfeitamente à velocidade do mundo em pleno século vinte e um. Um inseto, ainda que se trate de uma mosca, não deve ser visto intransigentemente como asqueroso. Se o serviço público de vigilância sanitária atesta a lisura da venda de carnes, laticínios e outros derivados de procedência animal, o mesmo pode ser feito em relação aos insetos. Assim como nem todo cogumelo é champignon, igualmente, não é todo inseto que se presta a fins alimentícios. A espécie aqui mencionada difere de outras, não passíveis de uso para alimentação humana. Diminuir a carga tributária sobre o consumo é uma boa ideia. Que, entrementes, nunca é colocada em prática. Por conseguinte, baratear matérias-primas e insumos que ingressam na composição de alimentos, pode ser a melhor saída. Havendo colossal interesse econômico na exploração de petróleo, em todo o mundo, em virtude do que, de tempos em tempos ocorre uma guerra, a Alemanha priorizou o carro movido a eletricidade. Um modo inteligente e polido de liquidar com o conflito. A produção alimentar com o emprego de insetos, por analogia, seria o mais eficaz remédio contra o desmatamento da Amazônia, o tapa de luva no rosto da bancada do boi-bala-Bíblia. Não se trata apenas de promover a oferta de mais um item alimentício, barato, abundante e satisfativo na perspectiva nutricional. A inovação vem ao encontro da segurança alimentar. Um produto isento de gorduras trans, aditivos, corantes, aromatizantes, bem diferente de processados e ultraprocessados. Quase tudo que colocamos na boca, hodiernamente, possui açúcares, sódio, colesteróis vários. E o novo alimento passaria ao largo disso tudo. A aludida inovação encerra em si mesma uma aposta em bem-estar social, segurança alimentar e saúde pública. O potencial revolucionário da proposta alimentar, mais que ampliar o cardápio, faz que vejamos a função social da pesquisa científica e o quão longe ela pode nos levar. O saber sério, seja teológico, filosófico ou científico, sempre nos conduz a esta visão: o paradoxo de tudo o que nos cerca. As grandes mudanças da humanidade residem na valorização das pequenas coisas. Enfim, algo pequeno deixa de ser pequeno, quando elevado à enésima potência. Luz!