Seria a produção artística um disparate?
Em meados de novembro de 2024, uma obra do artista italiano Maurizio Cattelan, nominada de “Comedian”, uma banana presa a uma superfície com fita adesiva, foi arrematada por 6,2 milhões de dólares. A casa de leilão chama-se Sotheby’s, em Nova Iorque. O arrematante foi o empresário chinês, de criptomoedas, Justin Sun. Em 04 de dezembro […]
Por Israel Minikovsky 18 min de leitura
Em meados de novembro de 2024, uma obra do artista italiano Maurizio Cattelan, nominada de “Comedian”, uma banana presa a uma superfície com fita adesiva, foi arrematada por 6,2 milhões de dólares. A casa de leilão chama-se Sotheby’s, em Nova Iorque. O arrematante foi o empresário chinês, de criptomoedas, Justin Sun. Em 04 de dezembro de 2024, foi publicado no sítio R7, que um quadro em branco pode ser leiloado por mais de R$ 9 milhões. A obra foi chamada de ‘General 52” x 52”’, de autoria de Robert Ryman, e passará a estar à venda na casa de leilões Ketterer Kunst, em Berlim. Selecionei estas duas notícias, veiculadas recentemente, em datas próximas, porque, desde que sou um garraio, ouço minha mãe dizer “não faça arte, menino”. Essa noção equivocada do que vem a ser arte, infelizmente, tende a arramar-se, a partir dos episódios supra replicados. A ideia de que arte não é uma coisa séria está cada vez mais vincada na mentalidade das pessoas comuns. Ambos os autores, das respectivas produções, ao serem indagados do propósito de seus trabalhos, justificaram que desejavam levar o público à reflexão da valia e do sentido da produção artística. Foi bastante impactante, se a meta era justamente impactar. Aliás, as obras em comento flertam em larga medida com o surrealismo. É a celebração do ilógico. O que define o que é arte e o que não é? Qual o parâmetro de aferição do valor econômico de uma produção artística? Eu penso que a sociedade não amadureceu o bastante para refletir de um modo pertinente os dois eventos estéticos aqui aludidos. Se algum proveito é possível extrair dessa conjuntura, ele é consistente nos comentários da crítica especializada, precisamente o que tenciono fazer, mesmo não vendo, a mim mesmo, como especialista ou perito. A arte é uma espécie de saber, ao lado do senso comum, da religião, da filosofia, da ciência. Ela é concebida pela intuição. Se o critério do lógico é o pensamento concordante consigo mesmo, na arte o critério é o prazer estético. Ao passo que a lógica é atravessada pelo universal, na apreciação da arte cruzam-se as categorias de singular, particular e universal. Por essa característica ela apresenta maior volatilidade do que outras manifestações humanas. É bem provável que esse seja um momento propício à arte, vivemos a modernidade líquida baumaniana, altamente harmonizável com a natureza do gênio estético. Outra peculiaridade digna de registro é a transitoriedade do trabalho de Cattelan: o arrematante comeu o pomo refém dos grilhões da fita adesiva. E nem podia ser diferente, a banana é notória por ser uma pseudofruta de célere maturação, sobretudo em temperaturas quentes. Bem diferente da situação das telas do Renascimento, que atravessam séculos, praticamente incólumes à ação do tempo. Gize-se que, os trabalhos em apreço, vieram à tona em dois países de centro. Dois países da Europa bem-sucedida. Digo isso, perguntando-me se a repercussão teria sido a mesma se a iniciativa tivesse partido de países como Costa Rica ou Bolívia. Os nomes destes dois países são aleatórios. Note-se, ainda, que o arrematante é chinês, o que tem o condão de nos recordar de que a China, de hoje, não é a mesma de cinco décadas atrás. Um empresário de criptomoedas é um jogador, e não um trabalhador. É um cidadão que amealha riqueza mais por esperteza do que por esforço. E o tipo de riqueza que ele concentra em si é nominal, ou, ao menos, fluida. É esse patrimônio, plástico em si mesmo, que exalta as artes plásticas, o que é bem mais do que um trocadilho, é uma verdade filosófica. O econômico e o estético até parecem duas massas gasosas interagindo entre si, o que revela bem a natureza daquele modo de ser, que protagoniza a produção de valor e de beleza. Quem sabe, a conclusão a que se pode chegar, é esta: o belo reside, também, nas situações circunstanciais e dinâmicas. O belo pode estar onde está a durabilidade, contudo, pode estar ali, onde o que é feito, logo se desfaz. Os prazeres materiais da vida humana são passageiros, e um determinado tipo de arte participa dessa paradoxal condição. Ainda em tempo, aquelas telas que retratam um cotidiano que já não existe mais, em que pese sua imorredoura perenidade, dá testemunho de que o próprio estável apenas se presta a registrar e arquivar o instável. Num mundo repleto de guerras e sofrimento, a arte pode ser essa câmara de tranquilidade e paz. De maneira alguma, um incentivo à inércia e ao conformismo, porém, uma provocação, um pedido de ingerência em favor da paz. Os fenômenos insólitos artísticos favorecem o despertamento do encanto em que nos achamos, da amoral normose, da mediocridade indiferente e indolor. Onde reina a regularidade, ali está, outrossim, a indolência. Numa época de ausência do racional, a arte pode ser um canal eficaz no alcançamento dos intelectos dormentes. Arte não é um despautério, ela é luz!