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Série A grande ilusão e o empirismo

Uma escola filosófica ensina que apenas o que passam pelos sentidos chegam até o que podemos perceber ou conhecer. Já também Descartes dizia que nossos sentidos nos enganam, por outro lado. A série “A grande ilusão”, por certo, caminha nesse sentido. O que esperamos da história engana os nossos sentidos. Já a ciência é empírica, […]

Por Mariano Soltys 11 min de leitura

Uma escola filosófica ensina que apenas o que passam pelos sentidos chegam até o que podemos perceber ou conhecer. Já também Descartes dizia que nossos sentidos nos enganam, por outro lado. A série “A grande ilusão”, por certo, caminha nesse sentido. O que esperamos da história engana os nossos sentidos. Já a ciência é empírica, ela faz experimentos e assim prova através de algo que podemos observar, não meramente em uma crença ou em algo idealista. A investigação policial e a criminologia assim caminham, e nessa série se investiga crimes relacionados à protagonista, Maya, ex-militar, piloto de helicóptero, ou ao seu marido falecido, Joe, que por vídeo no começo da trama, parece estar vivo, e não morto. Maya assim sofre de trauma de guerra, ainda cuidando de filha pequena, que trás um pouco de leveza ao drama e suspense. O sucesso da série já prepara outras duas adaptações da autora de histórias semelhantes. 

A Grande ilusão ganha mais complexidade ainda por outros personagens, pelas aparentes conspirações, hacker, policial, professor de filha jogadora de futebol,  e demais, que desviam o foco e colocam o investigado do crime como qualquer suspeito, levando a série a prender a atenção. Maya sai assim por conta própria a investigar sobre o marido vivo que aparece no vídeo de casa, e corre atrás das possibilidades, chegando até falcatruas de sua família, que parece esconder a questão de medicamentos e opioides, que envolveram pessoas prejudicadas pelo mundo, além de outras mortes misteriosas. Um grupo de amigos também se torna suspeito, haja vista uma escola cara e segredos desses amigos, em volta de mortes de jovens. O policial na investigação, o qual se trata de alcoolismo e sofre alucinações com esposa também, falecida, também dá um colorido a mais na trama, fazendo com que desconfiamos de um possível envolvimento desse, além do diretor da escola onde os meninos estudaram. 

De princípio pensei numa fraternidade universitária, mas a história não chegou a tanto nessa série. Ficou mais no segredo entre alunos, ou entre amigos jovens, e ainda no que a própria Maya descobre de si mesma, mistérios e segredos que vão aos poucos sendo desvelados. A ilusão nos move na vida, sonhamos, idealizamos, somos enganados pelos sentidos e nos enganamos. Os filósofos empiristas caminhavam que só pelos sentidos podemos conhecer, pelo contrário. Mas os sentidos nos enganam, como já desde Platão havia a ideia. A série A grande ilusão faz fantasiar e desviar do verdadeiro culpado e autor do assassinato, o que por fim é revelado. O mundo se forma de uma grande ilusão, de um Show de Truman, e não chegamos até a realidade, muitas vezes. Muito do que somos é de responsabilidade de nós mesmos, e nos iludimos querendo culpar sempre “o fora”, o exterior e os outros. Essa série mostra esse sentido de responsabilidade. Importa a ciência e a verdade das provas reais, da investigação e do que é verídico. A séria caminha assim fazendo um círculo de suspeitos e acaba por findar na origem do círculo, ou mesmo no centro. O que procuramos longe pode estar perto, e mais perto do que imaginamos: em nós mesmos. 

Mariano Soltys, professor e advogado