Slow reading ou leitura dinâmica?
Em 1980, Carlo Petrini passou a defender e propalar o slow food. É a ideia de acordo com a qual nós devemos saborear os alimentos, ao invés de matar a fome apressadamente, como quem enche o tanque de um automóvel. A crista da onda, agora, é o slow reading, defendido por John Miedema. Em português, […]
Por Israel Minikovsky 15 min de leitura
Em 1980, Carlo Petrini passou a defender e propalar o slow food. É a ideia de acordo com a qual nós devemos saborear os alimentos, ao invés de matar a fome apressadamente, como quem enche o tanque de um automóvel. A crista da onda, agora, é o slow reading, defendido por John Miedema. Em português, “leitura lenta”. A ideia vem à tona depois de terem nos vendido uma série de técnicas prometendo aumentar o rendimento na leitura, o que, em traços largos, foi chamado de “leitura dinâmica”. Eu penso que, pairando acima de qualquer paradigma acaciano, as duas metodologias têm os seus méritos. É mais ou menos como as posturas do Kama Sutra, cada posição ou arranjo proporciona uma sensação diferente. Li a Bíblia dezenas de vezes, algumas vezes de maneira veloz, outras pausada e reflexivamente, num nível, sem exagero, exegético, analítico e hermenêutico. É interessante o quanto a leitura é potencializada pela formação teórica e pela experiência de vida. Alguém leigo não entende a Bíblia do mesmo modo como o faz o polímata. E o estudante do primeiro ano de ciências jurídicas que se propõe ler, de capa a capa, o Vade Mecum, não alcança a mesma clareza conceitual de um advogado já na reta final da segunda década do exercício da advocacia. O que leva a pessoa a ler velozmente? Bem, como qualquer outra compulsão, o vício pelo ato de ler. Da mesma forma como um fumante voraz “come cigarro”, como se diz na gíria, algo parecido ocorre ao bibliófilo. Outro fator que abrange ledores compulsivos é a busca pelo conhecimento e pelo acúmulo de informações. Embora Mario Sergio Cortella distinga conhecimento e informação, arguindo que o primeiro é seletivo e, a última, cumulativa. De um jeito ou de outro, a questão é que, acelerar para saber mais, pode redundar no efeito justo oposto. Porque o conhecimento é fortemente qualitativo. Mas praticar o slow reading não é simplesmente ler de vagar, mas ler no ritmo apropriado. Essa “marcha” ideal haverá de oportunizar e contemplar ambos os lados, quali e quantitativamente otimizados. No exercício da advocacia, por exemplo, ler demorada e atenciosamente um processo pode resultar na economia do tempo. O profissional é poupado do retrabalho de elementos deixados para trás, quando não ocorre o pior, a preclusão do que não se fez e já não conta com tempo hábil para ser feito, em razão do decurso do prazo. Para quem deseja ampliar o vocabulário, a dica é ler obras de estilos diferentes e de áreas múltiplas do conhecimento. Por conseguinte, aqui entra a slow reading, pois de nada adianta você oscilar da prosa à poesia, ou da oceanografia à metafísica, se você peca em “passar batido” por termos e conceitos desconhecidos, cuja cognição ficará atrelada a uma redução de velocidade e até a uma pausa, para, quem sabe, consultar um dicionário especializado. Você poderá ler a mesma obra duas vezes, a primeira, rápida e de cabo a rabo, a segunda, demoradamente, somente aquele capítulo que o seu professor recomendou que se fizesse fichamento. Mais ou menos como imagens em diferentes escalas, a primeira em ortofotografia, e, a segunda, em tamanho natural. Um elemento sempre está situado em um conjunto maior, em uma visão panorâmica. O pequeno é explicado pelo grande, e o grande é explicado pelo pequeno, reciprocamente. Evidentemente, nem todas as obras literárias apresentam o mesmo valor. Como nosso tempo de vida é limitado, creio que seria interessante e estratégico, não só selecionar bem o que vamos ler, mas aquilo que em tese merece nossa atenção, recomenda uma leitura de um nível de qualidade superior ao que costumamos dispensar às coisas triviais. Percebe-se, outrossim, que topamos com certos termos recorrentemente, sem que tenhamos uma ideia precisa do que eles significam. Sendo esta a situação, uma leitura morosa e atenciosa vem a ser um bom momento para sairmos da vaga noção e avançarmos para ideias claras e distintas. A discussão é bem oportuna, pois somos os legatários de uma cultura fabril protagonizada pela esteira em movimento, seguida de uma revolução dentro da revolução, a velocidade da produção, reprodução e transmissão de informações. Processar adequadamente essa avalanche de estímulos, com certeza, requer algum tempo. Luz!