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Sociologia Produtiva

Dias atrás, o sociólogo Walter Marcos Knaesel Birkner concedeu entrevista à Rádio Liberdade FM, sobre sua obra recém-publicada, “Sociologia Produtiva: BNCC, desenvolvimento e interdisciplinaridade”. A editora é de Florianópolis, Arqué, e o miolo é integrado por 280 páginas. O ano de publicação é 2024. O aludido autor ingressou nos estúdios da referida mídia irradiante a […]

Por Israel Minikovsky 41 min de leitura

Dias atrás, o sociólogo Walter Marcos Knaesel Birkner concedeu entrevista à Rádio Liberdade FM, sobre sua obra recém-publicada, “Sociologia Produtiva: BNCC, desenvolvimento e interdisciplinaridade”. A editora é de Florianópolis, Arqué, e o miolo é integrado por 280 páginas. O ano de publicação é 2024. O aludido autor ingressou nos estúdios da referida mídia irradiante a fim de apresentar lacunas no material de sociologia, aprovado segundo os critérios da Base Nacional Comum Curricular. A crítica formulada pelo estudioso, que repetidamente afirma, copiando um filósofo grego, que “a crítica é o sal da vida”, só pode ser compreendida à luz do fato de que uma de suas preocupações, senão a mais importante, é o desenvolvimento regional ou local-regional. Pragmático, Birkner inicia sua obra afirmando que a ciência deve ser útil à sociedade (p. 7). A mãe do êxito é a fé no homem e a aposta na ciência (p. 7). O autor recupera a noção basilar de que as políticas públicas sociais afirmativas e os direitos sociais são custeados pela tributação, esta, incidente sobre o setor produtivo da sociedade. Sendo assim, não podemos transformar o distributivismo numa doutrina dogmática, passando ao largo ou esquecendo completamente a base econômica sobre a qual ele se apoia. As diretrizes da educação nacional focam muito em civismo, deixando para segundo plano o mundo do trabalho. Perde-se de vista que, ser um trabalhador exemplar, é, de igual forma e necessariamente, ser um cidadão parabenizável. Ser diligente no serviço, é servir à pátria, e não ao patrão. Até porque, a rigor, ninguém trabalha para o outro, mas para si mesmo. Como a abordagem da sociologia é sempre a do conflito, ocorre que o adolescente não quer ser partícipe de um mundo perverso e injusto, ficando entregue ao desestímulo. Insinuar que devamos passar do discurso da distribuição para a produção é uma grande ideia. Mas Marx ensina que o modo de distribuição é determinado pelo modo de produção, e que, se queremos mudar a distribuição capitalista, devemos mudar a sua base, lá onde ocorre a produção e se dão as respectivas relações sociais assimétricas. Birkner explica que uma sociedade que tem a sua produção aumentada constrói a possibilidade de aumentar o investimento no bem-estar social (p. 30). Realmente, Delfim Netto explica que se martela muito em cima da desigualdade e da diferença na distribuição de renda, mas nem sempre a distribuição de renda é um bom critério. Por exemplo, se o salário do trabalhador dobra, e o lucro do empregador é multiplicado por trinta, aumentou a discrepância na distribuição de renda, mas a condição social do trabalhador foi promovida. Fatores culturais, educacionais e legais podem alavancar a capacidade produtiva da sociedade (p. 33). Os fundadores da sociologia, pretendendo blindar a cientificidade do saber nascente, expurgaram da academia todo viés religioso. Entretanto, Birkner observa que a religião pode ser um canal importante pelo qual são transmitidos valores, intersubjetivação, favorecendo o desenvolvimento (p. 38). No que concerne ao evolucionismo, ele foi banido da sociologia, e hoje está sendo reabilitado. Isto porque, os primeiros evolucionistas, alinhados ao darwinismo social, acreditavam que os povos europeus eram biologicamente superiores, e todas as demais etnias deveriam ser eliminadas, ou isto ocorreria “naturalmente”. Agora, a releitura traz outra ideia. A evolução deixa de ser “a luta sangrenta pela vida” para tornar-se “método comparativo”. Veja-se bem: se não existe evolução, se não existe patamar superior ou inferior, dando-se como correto o relativismo, conceito importado da antropologia, então, qual movimento deve ser realizado? Se todas as situações são modos diferentes de ser, sem melhor ou pior, para que direção o nosso andar deverá orientar-se? A crítica de Marx é que a produção da riqueza é social, sendo a apropriação da mais-valia, privada. Keynes é favorável ao pagamento de bons salários, pois esse dinheiro em circulação tem como resultado a aquisição de bens e serviços, incentivando a produção (p. 53). Novamente recupero Delfim Netto: o aumento dos salários altera, sim, a repartição de riqueza, beneficiando o trabalhador, mas há um efeito colateral, com mais dinheiro no bolso há aumento do índice de inflação, o que, paradoxalmente, diminui o poder de compra do cidadão. O nobelizado em economia de 2024 mostrou a relevância das instâncias institucionais para o desenvolvimento das sociedades, sobretudo no aspecto econômico, muito embora não apenas nele. Muitas vezes alguns conceitos são apresentados como mutuamente excludentes, quando eles são complementares. Os países economicamente mais competitivos são justamente aqueles nos quais se verifica maior cooperação entre os agentes econômicos entre si e entre agentes econômicos e políticos. Outro aspecto contemplado na obra é a percepção da interdisciplinaridade e interciência. De Richard Dawkins, biólogo, se acolhe a crítica de que noções como justiça e amor, evolutivamente, não significam coisa alguma. De Cesar Hidalgo, físico, se acata a ideia de que a informação não é uma declaração a respeito da realidade, mas a informação é o elemento constituinte mesmo, da própria realidade. Para Hidalgo, as sociedades mais funcionais e desenvolvidas são aquelas capazes de produzir, transmitir e reproduzir a maior quantidade possível de informações. O calibre informacional de uma coletividade explicaria as desigualdades sociais e econômicas (p. 107). No diapasão do neoevolucionismo, sobrevivem não os mais fortes, os mais inteligentes ou os mais cruéis, mas os mais adaptativos. E a capacidade de adaptação pode ser trabalhada, adquirida (p. 121). A quantidade é, geralmente, importante. No entanto, a qualidade pode ser, em alguns casos, mais importante do que a quantidade. É possível fazer melhor, com menos. Na entrevista radiofônica, aliás, Birkner recorda que a pequena propriedade bem trabalhada é mais profícua que o seu inverso, o latifúndio. A globalização revelou as desigualdades competitivas, estas, um potencial local (p. 156). É certo que o desenvolvimento é sujeito a fatores exógenos e endógenos. O marxismo enfatiza ao máximo os elementos estruturais. Entrementes, a valia de nos fixarmos aos fatores endógenos, sem negar os exógenos, é que temos ingerência sobre eles. Não adianta focar naquilo sobre o que nada podemos controlar. Do contrário, devemos otimizar o que está ao nosso alcance. Ao invés de olharmos para a propriedade como a origem da desigualdade dos homens, como insinua Rousseau e Marx, pode ser explorado o ponto de mira de John Locke, para quem a propriedade privada é a condição sine qua non para o exercício da liberdade. O cooperativismo não é apenas um conceito, mas uma realidade. Santa Catarina é o Estado que tem o maior número de cooperados do país, e o cooperativismo responde por 11% do PIB do Estado. A experiência histórica mostrou que não é sempre factível realizar a mudança social por uma revolução. Uma revolução, nos moldes da francesa ou da revolução russa, vem a ser uma mudança social profunda, em um curto espaço de tempo, e que emprega muita violência. Talvez seria o caminho de se fazerem ajustes evolutivos, graduais, programáticos (p. 222). É preciso trabalhar valores como autonomia, responsabilidade e empatia (p. 223). Na sociologia há esse embate, se o mundo das ideias, o mundo da cultura, condiciona mais o mundo econômico, como propõe Durkheim ou Weber, ou se o que se verifica é o oposto, como advoga Marx. Usar a sociologia para criticar o sistema, a civilização ocidental, é uma abordagem não só parcial, mas acarreta a subutilização da sociologia enquanto disciplina ou ciência (p. 244). A sociologia precisa puxar para si a atribuição do levantamento das circunstâncias que desembocam no desenvolvimento econômico ou que emperram sua ocorrência. Se o multiculturalismo é uma orientação das políticas educacionais, ele é encontradiço nas realidades locais dos nossos muitos Brasis. O adolescente matriculado no Ensino Médio que reside em São Bento do Sul, Jaraguá do Sul, Joinville, Chapecó, não se vê retratado no seu manual de sociologia. Penso que é interessante que o jovem catarinense conheça a realidade de vida do jovem periférico urbano que mora em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em Salvador. Mas o jeito catarinense de viver deve ingressar na sociologia não só para o estudante protagonista dessa realidade de vida, de modo que ele veja a si mesmo num espelho, mas que esse modus vivendi seja levado ao público dessas capitais anteriormente citadas, até porque esses cidadãos têm pernas e braços como nós. Tem-se a noção de que, preparar o estudante para o mercado de trabalho, é usar verba pública para azeitar as engrenagens do universo particular burguês. Mas, como já dissemos, não dá para fatiar o ser humano entre cidadão e trabalhador. Os nossos fracassos no Pisa refletem essa nossa visão equivocada. Enquanto 10% dos estudantes no Brasil vão para o ensino técnico depois do Ensino Médio, esse percentil sobe para 50 quando o alvo da atenção são os países desenvolvidos. Santa Catarina é o Estado com o melhor IDH do Brasil e quase o último em obter retorno fiscal do Executivo Federal. Isto mostra que a comunidade tem a chave para abrir as portas para si mesma, mas também aponta para o preço que pagamos por não nos articularmos politicamente. A ideia de que é o trabalho que redime o ser humano é muito boa. Lado outro, quando o foco é exclusivamente para o trabalho, vendo a política como suja ou improdutiva, o que se paga é ser burro de carga, escapando as divisas dos nossos dedos. Outra ideia outrossim consolidada entre nós, é de que o estudo é perda de tempo ou uma inutilidade. Veja-se que toda a crítica que se fez na obra em comento é resultado de longos anos de estudo – o autor é graduado, mestre, doutor e pós-doutor na área cuja produção literária é posta ao nosso alcance – e nada dessa crítica construtiva tornar-se-ia realidade sem a frequência ao ambiente universitário. Tudo isto aponta para a complementaridade de perspectivas, de modo tal que o proposto não é alijar os manuais do conteúdo ali inserido, mas complementar os pontos cegos, numa visão harmônica e integradora, tão útil e necessária ao bem da coletividade. O livro, guiado por bom senso e ponderação, abarca a grande verdade de que o capitalismo e a produção de riqueza só se concretiza num espaço físico e cultural em que o cidadão trabalhador dispõe de acesso a direitos e serviços públicos, em que a democracia, os valores políticos, filosóficos e comunitários, estão infundidos na sua consciência. Por conseguinte, cair no outro extremo, delegando à iniciativa privada o que cabe ao Estado, resulta em cidadão desatendido, em ambiente deficitário e desfavorável para a mentalidade empreendedorista. A obra é de muita luz, deveras, merece ser lida, relida, estudada e aplicada!