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Solução de um problema

João D. V. sempre foi um bom aluno, sendo identificado como estudante acima da média, logo no ensino fundamental I. Apaixonou-se por química no ensino médio e, na hora de prestar o exame, não teve dúvida de qual seria sua opção. Do vestibular para a federal, fez uma oportunidade para exibir sua extraordinária competência, e […]

Por Israel Minikovsky 14 min de leitura

João D. V. sempre foi um bom aluno, sendo identificado como estudante acima da média, logo no ensino fundamental I. Apaixonou-se por química no ensino médio e, na hora de prestar o exame, não teve dúvida de qual seria sua opção. Do vestibular para a federal, fez uma oportunidade para exibir sua extraordinária competência, e colocou igualmente em marcha seu ímpar talento durante a graduação. Ainda que não tivesse concluído o curso, já estava empregado. Não é todo dia, afinal, que uma empresa consegue um colaborador com o perfil de João D. V. É consabido que, do momento em que um engenheiro químico novato dá entrada em uma empresa de fabricação de produtos químicos, é estimado um prazo médio de vinte e quatro meses, até que ele consiga jungir a teoria com a praticidade de um laboratório empresarial. No caso de João, este período foi reduzido para pouco mais de seis meses. E depois do atingimento do primeiro grande alvo, tornou-se quase uma rotina o pioneirismo de João. Sendo uma pessoa extremamente observadora, atenciosa, dotada de rara memória e capaz de estabelecer relações de difícil hiância, o novel engenheiro triunfava e conquistava gradualmente maiores espaços no seu ofício. Aquando da superveniência de problemas de maior complexidade, imediatamente o nome de João era a primeira hipótese ventilada. No ambiente laboratorial, veladamente, se criou uma divisão social do trabalho. De um lado a equipe que executava os atos próprios que constituem o trivial e rotineiro, aquilo que casa com uma rotina, e, de outro, João, o líder, a estrela da equipe que tomou para si o brado da “eureca”. Depois do período de um lustro, aconteceu o improvável: sobreveio um triste declínio da criatividade e inventividade de João. Num primeiro momento, a triste nova situação não impactou o ambiente laboratorial, pois havia tantas linhas investigativas inauguradas por João, que a ausência de novos desafios passou despercebida. Enquanto o luzeiro de sua inteligência desceu alguns degraus, João fazia as mesmas tarefas perpetradas pelos colegas. Ninguém poderia acusá-lo de inércia ou baixo rendimento. Coincidência ou não, as várias linhas de pesquisa em que os técnicos se empenhavam estavam fazendo um movimento de convergência. E para ser bem objetivo, se exatamente três obstáculos fossem removidos, estaria sendo alcançado o desfecho de todas as metas traçadas pela empresa, nos últimos anos. Ciente da importância das questões, como elas foram apresentadas, João canalizou todos os seus esforços e suas energias para as respectivas três áreas de concentração. Não sabendo nem como ou por que, João sentiu que a sua criatividade o havia abandonado. Ele sentia que precisava compreender profundamente os problemas. Que assim que entendesse o enunciado, a resposta poderia ser encontrada na propositura do enigma. Crente nesta convicção, passou a dedicar mais horas do seu dia aos trabalhos. Ele tinha uma excelente remuneração, mas não recebia pelas horas extraordinárias. Ele não estava ali para fazer hora ou serão. Em dado momento se deu conta de que havia compreendido os problemas em sua essência, mas as respostas não vieram automaticamente. Torturava-se em fins de semana, e durante as madrugadas, pensando nos problemas e possíveis soluções. Em certo final de semana, a esposa o convidou para apreciar uma pinacoteca numa exposição, mas ele não quis. A esposa insistiu, praticamente o obrigou, e ele foi. Depois de passar uma tarde de domingo vendo telas, à noite colocou a cabeça no travesseiro e se esqueceu de tudo. Depois de vinte minutos de sono, acordou, começou a pensar nas pinturas que vira, e como que num passe de mágica, sobrevieram à sua mente as soluções para seus problemas laboratoriais. Em meia-hora, os ditos cujos três problemas estavam equacionados e resolvidos. Nessa toada, um cientista que não entendia para que serve a arte, consentiu que a parte encontra seu sentido dentro do todo. Luz!