Trabalho: o caminho, a verdade e a vida
Domingo de ramos, da liturgia católica, celebra a entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém. Por que teria, o Messias, entrado na glamourosa cidade, montado num asinino, e não num palafrém? Simples: o cavalo é um animal de guerra, e o jumento, uma animália de trabalho. O ministério de Cristo é um trabalho também, aliás, […]
Por Israel Minikovsky 14 min de leitura
Domingo de ramos, da liturgia católica, celebra a entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém. Por que teria, o Messias, entrado na glamourosa cidade, montado num asinino, e não num palafrém? Simples: o cavalo é um animal de guerra, e o jumento, uma animália de trabalho. O ministério de Cristo é um trabalho também, aliás, o mais digno dos trabalhos. O Filho do Homem não apenas multiplica pães para alimentar uma multidão, senão ainda recomenda a todos o trabalho. A vida é feita de trabalho e partilha. Como seu pai adotivo, Jesus foi carpinteiro. Hoje, no Brasil, pelo menos treze unidades da federação têm mais gente recebendo Bolsa Família do que pessoas com carteira de trabalho assinada. O Brasil é o país dos nem-nem: o camarada é jovem, mas não estuda e não trabalha. Esse contingente iria deplorar uma revolução socialista. Pois, se no socialismo todos têm o que pôr à mesa, não há essa estória de não querer trabalhar. Trabalhar não é uma opção, é um dever. Obrigação esta, não só para consigo mesmo, para com a própria família, mas também um dever cívico para com a coletividade. Um olhar profundo sobre a realidade social e histórica de nosso país nos direciona para o fato de que, num passado não muito longe, trabalhar era função dos párias. O trabalho era malvisto, o negro era malvisto – justamente ele que era a força de trabalho da nação – e, na prática, os recursos humanos que ativavam a economia eram duplamente penalizados, por serem o que eram, trabalhadores e negros. Dito isto, creio que se o Brasil pretende mobilizar recursos humanos, hoje inertes, deve investir na promoção da igualdade racial. O trabalho não tem cor, ele tem dignidade, é uma atividade humana, que afeta todas as etnias do globo. Ninguém deve ser constrangido pela espécie de atividade profissional que desenvolve. Todos os setores da economia são importantes. Precisamos superar a formação acadêmica bacharelesca. Valor este, que herdamos da cultura lusitana. Os ofícios técnicos são relevantes, e oferecem até maior empregabilidade. É no trabalho que compreendemos o que o mundo pede de nós, e o que nós podemos oferecer a ele. No Brasil, assim que o adolescente finaliza o ensino médio, já vai para a faculdade. Quem sabe, seria interessante inverter a ordem das coisas, fazer uma experiência de trabalho, e só então, eleger uma área de concentração de estudos. O trabalho forma a nossa personalidade. É ele que diz o que nós somos. Hodiernamente, assistimos a personalidades forjadas pelos meios virtuais. Como nem sempre o que circula pela rede tem consistência ôntica, o resultado disso é que estamos a produzir ilusões em série. Eu não diria “iludidos”, mas “ilusões”. No sentido de que o “iludido” é alguém enganado ou ludibriado, enquanto que “ilusão” sugere a noção de que o próprio ser perde sua conexão com o entorno, do modo mais radical possível. O “eu” não estaria equivocado, mas tomado por uma espécie de niilismo. Se ao longo da tradição ocidental, nós nos perdemos enquanto civilização, a culpa não foi dos filósofos. A culpa foi da relativização do valor “trabalho”. Ele é o que nos liga ao mundo. Quando não devotamos a ele aquilo de que é legítimo credor, quem perde somos nós, foge-nos a sintonia com o nosso semelhante, um ser tão cheio de potencialidades, sim, mas marcado pelas suas necessidades. No passado, lutávamos para que os donos dos meios de produção atribuíssem ao trabalhador o valor que lhe era devido. Hoje, sem abandonar as velhas causas, somos desafiados a ensinar aos adolescentes e jovens a valia do trabalho, essa atividade que faz, de nós, humanos. Quem não trabalha, não é cidadão, não tem o que reivindicar, é incapaz de se situar nas discussões da arena política, se vê desprovido de critérios para favorecer ou se contrapor a propostas, não consegue argumentar, eis que toda argumentação se radica na realidade, em relação a que se flagra alienado. Trabalho é luz!