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Trump em cena

Abandono da diplomacia e do direito internacional, retomada da intransigência fanática

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

No dia 20 de janeiro de 2025 Donald Trump tomou posse, pela segunda vez, da presidência dos Estados Unidos. Entre as várias medidas, chanceladas por ele, encontra-se a ordem de expulsão dos imigrantes ilegais. Talvez, essa seja a única medida razoável, conjugando-se aspectos econômicos e jurídicos. Os imigrantes clandestinos não apenas forçam o nível salarial do trabalhador nativo para baixo, mas ainda transgridem o sistema normativo do país. Entendo que, se alguém pretende morar em um país, o mínimo é que sejam observadas as exigências legais, desde Estados Unidos da América a Serra Leoa. Simples assim. O que pega são outras medidas. A nós, brasileiros, de maneira especial, afeta a usurpação ou encampamento do canal do Panamá. O Panamá é um país independente e soberano, e, portanto, ninguém tem o direito de passar por cima da ordem jurídica que ali vige, seja pelo direito interno ou internacional. É por ali que deságua a produção do agronegócio brasileiro, com maior ênfase para a soja. Acrescento que o navio que por ali transita, após o embarque da soja tupiniquim, tem como destinatário ninguém menos do que a China. É por isso que esse canal importa tanto. Os Estados Unidos querem esbulhar os panamenhos do canal, ou, ao menos, ter a administração do referido, tencionando sobretaxar essa commodity, interferindo negativamente nas economias brasileira e chinesa. A China, hoje, representa uma tremenda ameaça aos Estados Unidos, mais do que a União Soviética, durante o período do socialismo real, que imperava nesse conglomerado de repúblicas eslavas. Mas os norte-americanos não contavam com a astúcia chinesa. Antes que o problema tenha tomado corpo, a solução já está a caminho. A China está financiando a ferrovia que atravessará o continente, começando pelo nordeste brasileiro, chegando ao litoral pacífico do Peru. Outra medida foi a saída do Acordo de Paris. Trump entende que preocupar-se com emissão de dióxido de carbono é castigar a economia. No fundo, mais um negacionismo científico. Dá para adiar preocupações com o equilíbrio do clima no planeta, ainda que à custa do cheque especial, da conta em nome da catástrofe derradeira, irretratável e irrevogável. Foram assinadas medidas que favorecem a exploração e produção petroleiras. Os carros elétricos e as tecnologias eólicas sofreram duro golpe de decretos vários. Em ambos os casos, são golpeados tanto o sonho lúcido dos ambientalistas e as matrizes tecnológicas oriundas de solo chinês. O presidente prometeu reduzir o preço dos combustíveis. Foram revogadas ações afirmativas. Isso significa que os ianques, em seu país, serão tratados como iguais, ainda que sabidamente diferentes. Mesmo que um latino, negro ou indígena, tenha ficado de fora das unidades educacionais que habilitam os estudantes ao ensino superior, o critério será idêntico, sem ponderação social, econômica ou outra. A liberdade de expressão veio a ser outro valor jurídico exaltado pelo Chefe do Executivo. É algo que me traz uma anfibológica felicidade. Eu sou jornalista e creio que a liberdade de expressão é um direito sagrado. Lado outro, bem sei o quanto a direita, brasileira e internacional, é poderosa em distorcer fatos e criar narrativas surreais, a ponto de poder se dizer que não são transmitidas informações, mas sempre, apenas, versões. Trump reafirma a total autorresponsabilidade do cidadão para com ele mesmo: estuda-se se houver dinheiro para custear a faculdade, sendo que lá, as mensalidades acadêmicas são exorbitantes; habita-se se houver renda para pagar aluguel, financiamento ou hipoteca; vive-se e sobrevive-se se houver meio de custear medicamentos e terapias, que são uma verdadeira fortuna; e assim por diante. As pessoas não têm garantias de trabalho, como os celetistas brasileiros, então os contratos de trabalho são privados, e irregulares, totalmente voltados aos interesses dos empregadores. Com isso, os norte-americanos precisam ter dois ou três empregos para assegurar a sua subsistência. A ideia é retomar a rigidez do domínio global estadunidense, calcado no mercado financeiro, nas big techs, aliançando-se o governo federal com os bilionários. Fazer com que o Canadá seja o quinquagésimo primeiro estado da Federação, tomar a Groelândia da Dinamarca, renomear o Golfo do México para Golfo da América, e desestruturar o BRICS, são eixos importantes de uma mentalidade imperialista. Os conservadores compreenderam que não basta que os Estados Unidos sejam a maior potência nuclear, é preciso continuar sendo a maior economia, se o que se tem em mira é o domínio global. A retirada dos Estados Unidos da OMS mostra o quanto os políticos ianques (des)valorizam a saúde e a vida das pessoas, e a suspensão de repasses para a OTAN evidencia não só um descompromisso com a segurança da Europa, mas a verdade crua e fria de que os norte-americanos não vislumbram absolutamente nada mais, senão a si próprios. É isso!