Visita íntima em unidade prisional
A matéria que bateu às portas do Supremo Tribunal Federal foi essa: a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis estaduais que proíbem a visita íntima em unidades prisionais. Antes de começar a exibir argumentos favoráveis ou contrários, sinalizo que o que pauta a discussão é o entendimento ético, filosófico e antropológico acerca do ser humano e […]
Por Israel Minikovsky 13 min de leitura
A matéria que bateu às portas do Supremo Tribunal Federal foi essa: a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis estaduais que proíbem a visita íntima em unidades prisionais. Antes de começar a exibir argumentos favoráveis ou contrários, sinalizo que o que pauta a discussão é o entendimento ético, filosófico e antropológico acerca do ser humano e do sistema prisional. O ex-presidente Jair Bolsonaro, ao se manifestar sobre o que pensa da população carcerária, teria se limitado a declarar “tem que se foder mesmo!”. Como pedagogo, posso afirmar, sem a menor margem de dúvida, que a metodologia da pancada não funciona. Estudos sugerem o oposto: é preciso ser afetivo com as pessoas. O raciocínio lógico aflora quando a ansiedade diminui e se chega a um ponto de estresse bem equilibrado, sem muita tensão e sem muito relaxamento. O que se quer com a visita íntima? A que propósito ela visa atender? Segurança pública precisa ser pensada em articulação com saúde, educação, assistência social e demais pastas. O sistema penal aponta para a insuficiência dos esforços demandados em outras áreas, como a assistência social. O ideal é a vigilância e a prevenção. Todavia, quando já foi redundado em condenação, quando a pessoa já adentrou ao sistema penitenciário, perdura a competência dos órgãos e departamentos, muito embora, agora, o trabalho será a posteriori. A despeito da brutalidade de alguns reclusos, deve-se dizer que os encarcerados são seres humanos. Nem todos os reclusos são “casos perdidos” ou “irrecuperáveis”. O grau de periclitância e a possibilidade de reabilitação variam de indivíduo para indivíduo. Os processos sociais que levam um cidadão ao uso de drogas, a ser morador de rua, criminoso, prostituído, matador, são basicamente os mesmos. Essas pessoas partilham um fator biográfico que é a fragilidade ou ausência total de vínculos familiares e comunitários. O homem é um ser social, e quando isolado tende a sucumbir ou, então, mergulha em profunda crise. A medicina alopática me ensina que uma pessoa em estado febril deve receber a ministração de um antipirético. No caso dos executados penais, vale a mesma regra: se ele não teve resiliência, isto é, se ele não teve estrutura para suportar um nível exagerado de estresse, sem comprometer suas funções psíquicas, não será minando o restante de sua personalidade, que ele obterá o êxito da vitória, a reabilitação. Quando alguém cai no fundo do poço, para sair, ele terá de perfazer a mesma trajetória, mas em sentido inverso. Ditas estas coisas, informo o amável leitor, de que a razão de ser da visita íntima é esta: fortalecer os vínculos familiares. Prova disso, é que a visita deve atender a alguns requisitos: a visitante tem de ser esposa ou companheira. Porque a meta primeira não é o bem-estar do enclausurado, apesar de isto ter sua relevância, entretanto, o que se quer é não deixar esmaecer por completo o vínculo subjetivo e simbólico com quem está fora da unidade. Mais que sexualidade, o que se busca é construção de subjetividade. Quando ainda há afeto, persiste a imaginação de implementar um projeto, restaurar a família, voltar ao status quo ante que precedeu a queda, enfim, dar uma guinada e recolocar no seu devido lugar as metas mais genuínas e originais. Sonha-se com apagar o intervalo triste da existência e recordar de todos aqueles motivos que enchem a alma de entusiasmo, e que jamais deveriam ter sido relativizados ou entendidos como difíceis ou pesados demais. Nenhum pretexto ou argumento é tão persuasivo, como dizer ao próprio eu que, em que pese minhas falhas e derrapadas, ainda posso contar com pessoas que não desistiram de mim.