XII Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Bento do Sul
Em 09 e 10 de novembro de 2022, no auditório da Univille, aconteceu a XII Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de nossa cidade. O evento contou com a presença de várias autoridades e do público para quem as políticas são formuladas. Aliás, a ideia é que as próprias crianças e adolescentes […]
Por Israel Minikovsky 35 min de leitura
Em 09 e 10 de novembro de 2022, no auditório da Univille, aconteceu a XII Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de nossa cidade. O evento contou com a presença de várias autoridades e do público para quem as políticas são formuladas. Aliás, a ideia é que as próprias crianças e adolescentes sugiram as suas prioridades. A frase de efeito “nada para eles, sem eles” foi verbalizada em profusão. Os trabalhos transcorreram da forma que segue: cerimonial de abertura da conferência, leitura e aprovação do regimento interno, apresentação artística, palestra e trabalhos em grupos com os eixos. A palestra teve como tema central: “A situação dos direitos humanos de crianças e adolescentes em tempos de pandemia de Covid-19: violações e vulnerabilidades, ações necessárias para reparação e garantia de políticas de proteção integral, com respeito à diversidade”. Os eixos ficaram assim distribuídos: Eixo 1 – Promoção e garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes no contexto pandêmico e pós-pandemia; Eixo 2 – Enfrentamento das violações e vulnerabilidades resultantes da pandemia de Covid-19; Eixo 3 – Ampliação e consolidação da participação de crianças e adolescentes nos espaços de discussão e deliberação de políticas públicas de promoção, proteção e defesa dos seus direitos, durante e pós-pandemia; Eixo 4 – Participação da sociedade na deliberação, execução, gestão, e controle social de políticas de promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes considerando o cenário pandêmico; Eixo – 5 Garantia de recursos para as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes durante e pós-pandemia de Covid-19. O palestrante foi Robson Richard Duvoisin, pedagogo de formação pela UDESC. Ele iniciou sua fala afirmando que o fato de uma criança/adolescente estar numa família de boa situação financeira não impede, automaticamente, que haja ali violação de direito. As violações de direito assumem os mais variados aspectos: não conseguir na rede pública remédio ou tratamento de saúde é violação, não encontrar escola é violação. Inclusive, a escola não é depósito ou creche para os pais poderem trabalhar. A escola existe para que o ser humano possa se desenvolver. O conjunto de ações para a política em fomento deve ser precedido de diagnóstico, calcado em dados estatísticos por bairro. É preciso desenvolver projetos que venham ao encontro da demanda. Uma das atribuições do FIA – Fundo da Infância e Adolescência, é financiar este levantamento de dados. Os direitos da criança e do adolescente devem ser encarados como direitos humanos. Há quem diga que criança só tem direito, não tem dever. No entanto, a verdade é que criança também tem dever. A própria criança pode ser violadora do direito de outra criança. Por conseguinte, ela deve resguardar o direito de outra criança, e aqui ela é devedora e não credora. É óbvio, mas é oportuno lembrar, a criança é um ser humano. Um ser humano em determinada etapa de desenvolvimento. Todo adulto já foi criança. Outra possibilidade, é o desrespeito para com o próprio direito. Um exemplo disso é o gazeio de aula: o estudante frustra o próprio direito à educação. Temas como “pessoa com deficiência, uso de drogas, gravidez na adolescência, menor abandonado, etc” tem recebido diversas soluções desde a Antiguidade. Nessa época, exemplificativamente, gregos e romanos entendiam que a pessoa com deficiência deveria ser sacrificada. Os pais que tivessem filhos indesejados poderiam colocá-los na Coluna Lactária (edifício também conhecido como cinosargo ou cinosarges): lá a criança era largada, e poderia ser que alguém a pegasse para si com o fito de ser criada e, na sequência, servir de escrava, ou, em não acontecendo isto, ela era consumida pelos cães. Havia um dia próprio da semana para realizar o abandono. Com o cristianismo, o instituto anterior foi substituído por um símile, a Roda dos Expostos. Ela ficava instalada em uma instituição de caridade, tinha uma sineta, e preservava como sigilo a identidade do abandonante. No Brasil ela funcionou até 1950. E já que adentramos ao contexto nacional, por aqui se tornou costume a adoção “à brasileira”. É algo típico de nossa história. A criança adotada/agregada, quando adulta, cuidava da pessoa idosa que a acolhia (substituindo os filhos legítimos inexistentes). De 1926 a 1990 nós tivemos o Código Melo Matos. O aludido diploma jurídico se aplicava à criança em regime de exceção. A iniciativa legal dobrava-se sobre os casos de orfandade, delinquência infantojuvenil, menor que de alguma forma estivesse em situação irregular, ou, como se diz na gíria, um “ponto fora da curva”. A lei não era dirigida para quem tinha família e estava matriculado na escola. A Lei Menino Bernardo é emblemática no que toca à percepção da realidade, transcendendo uma questão de mera formalidade legal. O menino foi morto pela família. Por tratar-se de família rica, cujo pai era médico, a rede de proteção não deu crédito à hipótese de que o menino pudesse estar em violação de direito. A impressão derivada da situação socioeconômica familiar embaçou a objetividade dos fatos, e o hipossuficiente pagou pela inércia estatal com a vida. Em nosso país, uma criança é morta por hora. Em sua esmagadora maioria, crianças pobres e negras, cumulativamente. Foi preciso morrer uma criança filha de gente branca e rica para despertar a dormência do legislador. E por que isso acontece? É que, no geral, sempre temos um pretexto para relativizar os fatos: morreu a criança, mas era de área de favela; morreu a criança, mas ela era aviãozinho do tráfico; morreu a criança, mas ela era de família do crime, etc. Quando Bernardo morreu, não pudemos dar desculpas a nós mesmos, e então foi necessário agir. Acerca desta matéria temos alguns marcos legais importantes: A Constituição Federal de 88, Convenção dos Direitos Humanos de 1989 e o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Foram 177 países que aderiram à Convenção. Em 1993 tivemos a LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social. Pela Convenção, criança não pode ser soldada em guerra. Pela Convenção, o menor pode ser preso, mas em ambiente apartado. Pela Convenção, ele tem o direito de estudar. A propósito, no art. 112 do ECA, está previsto o internamento em estabelecimento educacional. Nada mais é do que um eufemismo. Trata-se do CASE ou do CASEP. Significa que lá dentro ele deverá ser o destinatário de conteúdo pedagógico. O adolescente pode ser algemado e posto no banco de trás da viatura, mas não pode ser levado no camburão. Nós estamos a tratar de direitos fundamentais. E os direitos fundamentais são inalienáveis, indisponíveis. Se um cidadão sinaliza tentativa de suicídio, quem presencia tem o dever de tentar impedir, pois o “eu” (ainda que outro “eu”), não pode fazer consigo mesmo o que quer. O Estado Democrático de Direito não é um salvo-conduto para se fazer tudo o que quiser. É claro que, como em outros ramos do direito, no direito estatutário também nos deparamos com antinomias. Por exemplo, quando o aluno gazeia aula, ele pode argumentar estar exercendo o seu direito constitucional de ir e vir. Porém, naquele momento específico ele deveria estar em sala de aula. A educação é um direito, mas é, além disso, um dever. (Criança e adolescente tem dever!). Quanto ao trabalho infantil, a lógica é esta: é o trabalho do adulto que deve subsidiar a criança, não é o trabalho da criança que deve subsidiar o adulto. Se um adulto tira a filha mais velha da escola para ela cuidar do seu irmão mais novo, ela está sendo explorada. Cabe ao adulto providenciar outra pessoa ou outro ambiente para a criança pequena ser cuidada, sem violar o direito de sua irmã, uma criança um pouco mais velha. Em Joinville, o Programa de Combate à Evasão Escolar APOIA disparou. Depois da pandemia muitos alunos não quiseram voltar para a escola. A segurança alimentar foi outro nicho de direito impactado pela pandemia: triplicou o número de esfomeados em Joinville. Em 2012 tivemos 46 mil casos de estupro no Brasil. Mais da metade das vítimas eram crianças/adolescentes. E 50% dos casos ocorreram dentro do ambiente familiar. Estudos apontam subnotificação. Em tese, apenas 10% dos casos seriam notificados, levados ao conhecimento da autoridade competente. Gize-se que o acionamento pode ser feito pela suspeita, não é necessária, num primeiro momento, a comprovação. São profissionais estratégicos na identificação de casos, dentre outros, professores e médicos. Pois bem, se a criança não vai à escola, o professor não repara, se o professor não vê, nada é feito, deixa de ocorrer o registro, não se apuram os fatos. Talvez alguém possa pensar: o que uma criança ou adolescente entende de acessibilidade, de cultura, de financiamento, etc? Mas são eles que pegam ônibus, são eles que usam os espaços comunitários, eles que tomam livros emprestados da biblioteca, eles que apreciam a merenda escolar. A Conferência finalizou com um saldo muito positivo, seja pelas deliberações com seus respectivos encaminhamentos, seja pela participação maciça e de alta qualidade dos seres humanos credores das prerrogativas estatutárias do ECA, crianças e adolescentes, que fizeram papel de protagonistas no evento de maneira responsável e briosa. Todos saímos do paço do evento muito esperançosos e otimistas. Luz!