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XXV Seminário Regional “A Educação e a Saúde Socioemocional dos Estudantes”

No dia 22 de agosto de 2024, das 8h30min às 16h, no auditório do Instituto Federal Catarinense (IFC), do campus de São Bento do Sul, realizou-se um seminário sobre a saúde mental e socioemocional dos estudantes. Foram quatro palestrantes ao longo do dia. As três primeiras vinculadas ao GEPES/GRADCIA – Grupo de Estudos em Políticas […]

Por Israel Minikovsky 38 min de leitura

No dia 22 de agosto de 2024, das 8h30min às 16h, no auditório do Instituto Federal Catarinense (IFC), do campus de São Bento do Sul, realizou-se um seminário sobre a saúde mental e socioemocional dos estudantes. Foram quatro palestrantes ao longo do dia. As três primeiras vinculadas ao GEPES/GRADCIA – Grupo de Estudos em Políticas Educacionais e Sociais/Grupo Regional de Articulação de Ações em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. A primeira palestrante foi Jurema Iara Reis Belli. Graduada, pós-graduada, mestra, doutora e pós-doutora em educação, autora de quatorze livros na área de educação, ela principiou sua fala externando a relevância da proteção integral em favor de crianças e adolescentes. Essa proteção, segundo ela, materializa-se no respeito às competências e no trabalho em rede. A perita define a unidade educacional da forma que segue: “Escola é um lugar seguro com o incrível papel do professor”. Ela pontuou que o aluno passa o maior tempo na casa da própria família, e o segundo maior tempo passa na escola. Conservando o paralelismo da analogia, as pessoas com as quais os alunos mais convivem são seus pais, e, na sequência, com seus professores. Para adimplir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, até 2030, o mundo deverá contratar nada menos que 44 milhões de professores. Muitas vezes a criança vive num ambiente doméstico violento e vai para a escola para se proteger. Na realidade da sala de aula os professores, não raro, se deparam com situações extremas. Um exemplo de caso real foi aquele em que o aluno relatou ter de dormir debaixo de uma árvore, durante a noite. A realidade da família deste aluno era que o pai, toda noite, escolhia uma filha com quem ficar, e o restante da família era posta para fora de casa, inclusive a mãe e os demais irmãos. A palestrante usou a própria biografia para ilustrar a dinâmica que eventualmente pode estar implicada no ambiente escolar. Ela relatou que nasceu numa família de excelente condição de vida. Sua família era integrada por pai e mãe e seis filhos. Quando ela tinha sete anos de idade, começou a passar penúria. O pai sofreu um acidente grave e demorou saber sua identidade, quem seria o tal paciente. Por conta da aplicação de uma vacina estragada, ela adquiriu estrabismo, o que era motivo de chacota na escola. Revoltada com o bullying, ela “tocava o terror na escola”. Batia com sarrafo nos meninos que a provocavam e a ridicularizavam pela assimetria dos seus olhos. No entanto, ainda segundo a narradora de si mesma, alguém percebeu que a “subversiva” tinha um potencial. Ela desenvolveu sua habilidade em corrida, e engajou-se assiduamente nos estudos. A segunda palestrante foi Marianita Scheuer Pereira. Ela é pedagoga, com especializações em educação. Ela relatou que descobriu a alegria de viver aos sessenta anos. Ela gosta de cozinhar, fotografar e dançar. Em dado momento de sua vida foi a Campinas, porque seu marido arranjou trabalho nesta cidade. Ela passou em primeiro lugar no concurso. Escolhido o cargo, foi parar num dos lugares mais pobres e violentos do Brasil. Ela contou que tinha um aluno um tanto problemático e solicitou que a mãe do menino comparecesse à escola. A mãe atendeu a solicitação. Na sequência, o menino voltou à escola, como era seu hábito, mas mostrando-se bastante arrasado. A professora foi saber, por fontes informais, que o menino foi submetido a isto: sua mãe o despiu e o manteve amarrado num poste da via pública, das 18h dum dia, até às 6h do dia seguinte. Ou seja, a mãe acolheu o pedido da escola, mas fez do modo errado. Noutra situação, em que a palestrante, na qualidade de profissional da educação, sugeriu que em certa data comemorativa fossem presenteados os alunos, sobreveio outra atipicidade. Os brinquedos foram subtraídos, o que teria embargado os planos pedagógicos. Como foi possível identificar os subtraentes, ventilou-se a possibilidade de devolução dos itens. Ocorre que houve não só a devolução, mas aqueles em que se achou o animus furtandi foram chacinados. Noutro caso, havia um menino que passava o recreio todo comendo merenda. Logo descobriu-se que ele foi punido em casa com um castigo consistente em não poder comer nada durante certo lapso de tempo. A terceira palestrante, Gilmara Rodrigues dos Santos, reiterou a fala de sua antecessora, dizendo que é imprescindível o autocuidado. Para que cuidemos dos outros, é preciso que cuidemos de nós mesmos. Gilmara é conselheira tutelar em São Francisco do Sul (SC) e formada em serviço social. Ela tomou de Sigmar Reichel o conceito de rede, para quem ela viria a ser como a ruptura da malha de uma tarrafa ou o rompimento de um cabeamento elétrico, ou o elo quebrado de uma corrente. Todos esses elementos figurativos acetam para o fato de que, quem está integrando a rede, não pode falhar. A falha pontual acarreta a inutilidade de todo o empenho da totalidade dos integrantes. Ela mencionou os artigos 13 e 245 do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, em cujos dispositivos o legislador instilou a obrigatoriedade da comunicação de violação de direito. Destarte, o professor não pode calar-se diante de negligência ou outro problema que afete o aluno. A palestrante invocou os artigos 7º e 8º da Lei n. 13.431/2017, que trata da escuta especializada e do depoimento especial. No bojo desta mesma lei ainda vale à pena conferir o art. 13, o § 2º do artigo 4º e o § 2º do artigo 14. O Ministério Público e a Polícia Militar devem tomar conhecimento das hipóteses/fatos ali previstos. Segundo a dicção da própria Polícia Militar, a educação está se eximindo de suas responsabilidades. A partir do momento em que a Polícia Militar é implicada na ocorrência, verifica-se uma espécie de “agora o bastão é seu”. Dito de outro modo, “não cabe mais a nós”. O Decreto n. 7.958, de 13 de março de 2013 regulamenta o exame pericial. Há um desconforto para a vítima feminina, ser o perito, um homem. É recomendável que perito e periciado sejam do mesmo gênero. Outra ferramenta legal é a Lei n. 14.344, de 24 de maio de 2023, que trata dos crimes contra crianças e adolescentes. Em casos em que a criança ou o adolescente é vítima, surge uma competência compartilhada. De todo modo, uma diligência tal como o deslocamento da criança ou adolescente para o ambiente ambulatorial, é, indubitavelmente, atribuição da pasta da saúde. Já no período vespertino, foi a vez da palestrante Cassia Maria Vollet de Conto reportar-se à plateia. Ela é médica psiquiatra e sua alma mater é a UFPR – Universidade Federal do Paraná. O tema de sua fala foi “Dependência por Internet e Saúde dos Estudantes”. A palestrante relatou participar sistematicamente de congressos nacionais e internacionais de psiquiatria, havendo, em linha gerais, concordância entre eles, sobretudo no tocante ao perigo do excesso de telas e redes sociais. Sabe-se que hoje, em média, uma criança ou adolescente passa vinte horas semanais navegando na rede. Ora, isto equivale a meia jornada de trabalho. Quando a internet era discada não havia a possibilidade do seu uso intenso. Mas com a descoberta do Vale do Silício o celular se torna uma prótese cerebral. Para fins de categorização, a Geração X compreende os nascidos entre 65 e 81, a Geração Y ou Millenials compreende os nascidos entre 82 e 96, e a Geração Z compreende os nascidos entre 97 e 2010. Esses marcos temporais são importantes para confrontá-los com o avanço das tecnologias digitais. Acesso a internet com câmara frontal para self potencializa uma série de aspectos. No mundo real temos corporificação (presença física), sincronicidade (entre ação e reação), custo (social) de entrada e saída de comunidades. No mundo virtual se verifica descorporificação, assincronicidade, múltiplas interações ao mesmo tempo, e não há custo de entrada ou saída em grupos. Consectárias a esse novo panorama, as estatísticas oscilam da forma que segue: a partir de 2020 houve um aumento de 139% no nível de ansiedade em crianças e adolescentes, e, no mesmo período, houve um aumento de 181% em entrada em pronto-socorro por automutilação. A palestrante chamou atenção para o fato de que o pedófilo não está na rua, mas na rede, a qual acessamos de dentro da nossa casa. Houve um aumento de bulimia e anorexia. De 2020 para cá houve um aumento no índice de depressão na ordem de 96%. Ou seja, ela cresceu, mas não tão progressivamente como a ansiedade. A palestrante listou o que uma criança precisa fazer em sua infância: o brincar livre, sincronização, aprendizagem social e o valor do prestígio. Existem alguns períodos críticos para o desenvolvimento do cérebro. Aos 5 anos de idade, o cérebro já alcançou, em termos de desenvolvimento, algo próximo de 90% daquilo que seria o cérebro adulto. Aos 5 anos ocorre a poda neuronal. Os neurônios pletóricos são desligados para que aumente a eficiência daqueles cuja função realmente interessa ao organismo. Dos 9 aos 15 anos de idade surge a identidade de grupo. Consolida-se o sentimento de pertença, são feitas as escolhas religiosas. Os 21 anos, em princípio, marcariam o completamento do desenvolvimento mental. Há perigos diferentes na internet para meninos e meninas. As meninas buscam prestígio e usam imoderadamente o filtro na foto. Comumente, aceitam o convite para adicionamento em plataformas, como facebook e instagram, de qualquer pessoa. Número de seguidores é status. A palestrante relatou o caso de uma menina que saiu de casa e foi até o endereço de um suposto namorado virtual, tendo sido, na emboscada, estuprada por dez homens. É muito comum chantagem com fotos íntimas. A sistemática é esta: convencer a fornecer uma primeira foto. Depois disso, vem a fala “se você não me enviar outra foto, com tais e tais características, eu vou publicar aquela primeira foto”. Já para os meninos, o que mais pega é o acesso a vídeos pornográficos. O prejuízo comum a meninos e meninas é a insônia. Não se olvidando de que os hormônios do crescimento são produzidos durante o sono. O vício em internet se caracteriza quando a criança ou adolescente não consegue ficar longe dos dispositivos em que ela é acessada/utilizada. Alfim, a última palestrante do dia, Dra. Cassia, nos deixou duas recomendações de leitura: A Geração Ansiosa, da autoria de Jonathan Haidt, e Nação Dopamina, de Anna Lembke. Por certo, o seminário alcançou seu escopo e foi de muita luz!